Adaptações de livros e HQs no cinema podem ser fieis aos originais?
Muito além do que só traduzir a história, adaptações precisam se preocupar em recriar uma narrativa de forma que funcione na linguagem do cinema
Por Verônica Maluf | , iG São Paulo |
Adaptações de livros e quadrinhos para o cinema são muito mais frequentes do que um espectador mais desavisado pode pensar: muitas obras antes de chegarem às telas já eram livros que foram aclamados pela crítica ou sucesso de público. Entretanto, apesar de se colocarem dessa forma, ler um livro e ver um filme são experiências narrativas completamente diferentes e não é incomum que boa parte das histórias originais se percam no meio do caminho – ou nunca fizeram parte do plano de roteiro da produção. Por outro lado, obras que trabalham integralmente o conteúdo escrito acabam não agradando. Afinal, é possível ser fiel ao adaptar um livro ou história em quadrinhos para o cinema?
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Do papel para as telas
O que não faltam são exemplos de adaptações de um meio para o outro – tanto aquelas que deram muito certo, quanto as que foram verdadeiros erros do início ao fim. Isso, contudo, não faz necessariamente com que a história seja ruim, muito menos que o original seja ruim, são apenas particularidades envolvidas nesse processo. Ler um livro é uma coisa, ver um filme é outra.
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São mídias divergentes que, embora possam dialogar entre si, cada uma tem seu próprio universo e é regida por códigos internos, isso acaba por dificultar a tarefa de transposição. Como o sociólogo Marshall McLuhan escreveu em uma de suas obras, “o meio é a mensagem”, ou seja, a mídia exerce grande influência no produto final e em como ele será consumido. Uma mesma narrativa pode se tornar um clássico da literatura, mas ter versões falhas no cinema: o problema é a inadequação que acontece entre a história e o veículo, não se restringe a uma das partes. Por exemplo, quantas vezes Romeu e Julieta já não viraram filme, mas a peça jamais perdeu seu status de ser uma das maiores obras já feitas em língua inglesa.
Há por outro lado livros que nasceram para as telas. As sagas de Harry Potter e "Senhor dos Anéis" foram extremamente bem sucedidas em ambos dos meios e se sustentam inteiramente tanto nos livros quanto no cinema. O recente sucesso do filme de “It – A Coisa”, que bateu o recorde de filme de terror com a maior bilheteria da história, é baseado no livro homônimo de Sthephen King. Porém há aquelas adaptações que não agradaram nem um pouco, como “Quarteto Fantástico” que, mesmo sendo uma das HQs mais importantes da Marvel, não acertou a mão no cinema.
Chamar esse movimento entre os meios de “adaptação” é uma forma educada de se falar em releitura. É impossível somente migrar o conteúdo de um meio para o outro, é necessário que haja uma tradução da obra para que ela se adeque a nova mídia. A adaptação de “Watchmen”, por exemplo, peca justamente por ser excessivamente fiel aos quadrinhos de Allan Moore – o que é irônico, dado que uma crítica comum feita para filmes com o rótulo é a falta de elementos fidedignos às histórias originais.
O envolvimento lúdico do leitor ou espectador precisa ser levado em conta para se realizar esse trabalho. A experiência que um livro proporciona é diametralmente oposta à de um filme, ou seja, cada um trabalha com seu próprio grau de imersão. “Blade Runner”, livremente baseado no livro “Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas”, ainda seria um clássico caso a narrativa original tivesse sido integralmente conservada na passagem de uma mídia à outra?
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Assim, não há uma resposta ideal para como devem ou não ser feitas as adaptações – elas não deixarão de existir, boas ou ruins. Ser fiel ao original é uma questão que não diz respeito à qualidade do produto final, na verdade, isso não diz muita coisa para além da liberdade criativa do diretor envolvido e no tato para entender o que funciona ou não em uma mídia. Além do mais esse aspecto sozinho não pode definir parâmetros objetivos, mesmo sendo um elemento recorrente em críticas.