Vivemos na cidade. Todos os dias acordados cercados por prédios, ruas, carros. Outras milhares de pessoas compartilham esse espaço. Espaços esses públicos, privados, compartilhados, a céu aberto, em baixo da terra. Respiramos o concreto e o asfalto das metrópoles, mas quantas vezes nos damos conta de qual a real dimensão das cidades. O ecossistema urbano está vivo, em transformação constante. Através de qual ótica interpretamos a relação que temos com esse organismo? Como nos relacionamos, de fato, com a cidade? O que é essa cidade?
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Como pensar a cidade?
Entender a complexidade do quebra-cabeça urbano que compõe as cidades é uma tarefa árdua: ao mesmo tempo em que individualmente a experimentamos diariamente, há, do outro lado, uma coletividade que coabita aquele perímetro. Eu existo na cidade, assim como mais milhares de pessoas, e cada uma tem suas próprias impressões a respeito – mas a cidade continua a ser a mesma, independentemente do sentimento particular. Pensando nessa relação o projeto Arq.Futuro realizou nessa quarta-feira (4) o debate “Cidade | Percepção e Comunicação” no Instituto Moreira Salles , com jornalistas que abordam o tema na mídia justamente para abordar as múltiplas interpretações que esse ambiente possibilita.
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Mediadores entre as diversas camadas que a cidade tem a oferecer e a perspectiva pessoal, os jornalistas ampliam e apresentam novos desdobramentos a respeito para o público. Com mediação do co-fundador da organização, Tomas Alvim, e a advogada criadora do “Minha Sampa, Anna Livia Arrida, a conversa abordou, principalmente, qual o papel da mídia nesse processo de conscientização da opinião pública sobre o espaço urbano. “Precisamos repensar o que é a cidade”, comenta Tomas logo de início.
Espaço de todos, ninguém sabe ao certo como falar sobre as cidades, seja no aspecto particular, seja no aspecto público, como é o caso da mídia. A cultura de abordagem do espaço público não nasce da noite para o dia, é um processo que envolve conhecimento, estudo e, acima de tudo, tato para entender suas necessidades. João Gabriel de Lima, ex-diretor das revistas Época e Bravo! , explica que urbanismo não faz parte das grandes temáticas abordadas pelo jornalismo como um todo. “Não é uma escolha [...] são os temas que se impõem na agenda brasileira. A partir do momento em que isso ficar importante o jornalismo vai correr atrás”.
Arquitetura e urbanismo ainda não temas pouco explorados pela mídia – se não forem os buracos, as ruas sem luz ou outras falhas de gestão que são temas recorrentes do jornalismo televisivo populista, a questão continua a ser restrita a pequenos nichos, como ressaltou o editor da Monolito , Fernando Serapião. Para ele o problema dessa cobertura é ainda mais profundo, uma vez que mesmo as informações disponíveis a respeito são escassas.
Comprovar que não se fala no assunto não é difícil: basta uma rápida olhada em qualquer jornal para ver que política e economia são os grandes destaques, enquanto que as cidades são deixadas para as pequenas notas – sendo um tema tão relevante e presente na vida das pessoas, a situação está longe de ser a ideal. O assunto só ganha destaque em casos extraordinários, como a crise hídrica histórica que São Paulo viveu anos atrás. Problemas cotidianos de regiões outras regiões da cidade não são relevantes para a mídia. “No dia a dia você ignora [...] e não tem ideia do que está acontecendo fora do centro expandido”, criticou o jornalista especializado da Folha de S. Paulo , Raul Lores.
Reciprocidade
Se por lado critica-se a falta da presença do tema urbano nos noticiários, por outro lado o interesse público acerca disso ainda é baixo – e o problema foi endossado por todos os profissionais da mesa. Para um veículo não adianta trabalhar uma matéria que não dará retorno. Não é de hoje que o jornalismo se vê refém da audiência e depende dela na hora de determinar o que deve ou não entrar na sua agenda.
Preso em um ciclo perpétuo, algum dos dois lados precisará fazer algum movimento em breve: aos poucos, a população passará a olhar cada vez mais para o ambiente urbano e refletir sobre sua existência. João Gabriel de Lima afirma “a imprensa ajuda a definir o que as pessoas vão pensar” e emenda “essa é uma deficiência e uma demanda da sociedade [...] na próxima eleição a cidade vai ser um grande tema”.
“A atenção é escassa, a gente trabalha como um palco“ justifica o editor da Época , Marcelo Moura. Ele entende que apesar da necessidade de trazermos o urbanismo para dentro do círculo de temas, é preciso ter em mente o consumo e como irá se refletir em termos de audiência. Mesmo assim, como o próprio ressaltou, é necessário que se fale nisso para vencer o senso comum e fomentar opiniões mais bem fundamentadas sobre um assunto que é tão urgente.
Expertise
Outro problema para estabelecer uma cobertura satisfatória sobre cidades é quem são as pessoas por trás dela. Há uma hierarquia dentro de veículos de comunicação – enquanto alguns temas nobres gozam de profissionais altamente qualificados para explorá-los em profundida, urbanismo está entre as castas mais baixas da profissão e acaba sendo relegado para jornalistas ainda sem experiência e com qualificação baixa para tratar do assunto. Raul Lores chegou a ironizar o descaso com o posto falando que a incumbência acaba sendo deixada para os mais jovens que não ligam de entrar no meio das enchentes e “estragar os sapatos”.
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Mediação social
Diretor do canal Arte1 , Luciano Cury ainda se atentou para o papel de tradução que o jornalista ocupa. Fazendo o “meio de campo” entre especialistas e a população – que, no fundo, é a maior interessada no assunto – os profissionais de comunicação tem o desafio de tornar as cidades e sua arquitetura acessíveis para que qualquer um possa consumi-la. Mariana Barros, da Esquinas , encerra dizendo quando o jornalista cumpre esse papel mais pessoas passam a viver – e conviver – nas cidades e completa “a boa discussão traz pessoas que não são especialistas”.