Vivemos na cidade. Todos os dias acordados cercados por prédios, ruas, carros. Outras milhares de pessoas compartilham esse espaço. Espaços esses públicos, privados, compartilhados, a céu aberto, em baixo da terra. Respiramos o concreto e o asfalto das metrópoles, mas quantas vezes nos damos conta de qual a real dimensão das cidades. O ecossistema urbano está vivo, em transformação constante. Através de qual ótica interpretamos a relação que temos com esse organismo? Como nos relacionamos, de fato, com a cidade? O que é essa cidade?

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Jornalistas debatem posição da profissão para moldar interesse público e transformar perspectiva sobre as cidades
Rogério Lorenzoni
Jornalistas debatem posição da profissão para moldar interesse público e transformar perspectiva sobre as cidades


Como pensar a cidade?

Entender a complexidade do quebra-cabeça urbano que compõe as cidades é uma tarefa árdua: ao mesmo tempo em que individualmente a experimentamos diariamente, há, do outro lado, uma coletividade que coabita aquele perímetro. Eu existo na cidade, assim como mais milhares de pessoas, e cada uma tem suas próprias impressões a respeito – mas a cidade continua a ser a mesma, independentemente do sentimento particular. Pensando nessa relação o projeto Arq.Futuro realizou nessa quarta-feira (4) o debate “Cidade | Percepção e Comunicação” no Instituto Moreira Salles , com jornalistas que abordam o tema na mídia justamente para abordar as múltiplas interpretações que esse ambiente possibilita.

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Mediadores entre as diversas camadas que a cidade tem a oferecer e a perspectiva pessoal, os jornalistas ampliam e apresentam novos desdobramentos a respeito para o público. Com mediação do co-fundador da organização, Tomas Alvim, e a advogada criadora do “Minha Sampa, Anna Livia Arrida, a conversa abordou, principalmente, qual o papel da mídia nesse processo de conscientização da opinião pública sobre o espaço urbano. “Precisamos repensar o que é a cidade”, comenta Tomas logo de início.

Espaço de todos, ninguém sabe ao certo como falar sobre as cidades, seja no aspecto particular, seja no aspecto público, como é o caso da mídia. A cultura de abordagem do espaço público não nasce da noite para o dia, é um processo que envolve conhecimento, estudo e, acima de tudo, tato para entender suas necessidades. João Gabriel de Lima, ex-diretor das revistas Época e Bravo! , explica que urbanismo não faz parte das grandes temáticas abordadas pelo jornalismo como um todo. “Não é uma escolha [...] são os temas que se impõem na agenda brasileira. A partir do momento em que isso ficar importante o jornalismo vai correr atrás”.

Você viu?

Arquitetura e urbanismo ainda não temas pouco explorados pela mídia – se não forem os buracos, as ruas sem luz ou outras falhas de gestão que são temas recorrentes do jornalismo televisivo populista, a questão continua a ser restrita a pequenos nichos, como ressaltou o editor da Monolito , Fernando Serapião. Para ele o problema dessa cobertura é ainda mais profundo, uma vez que mesmo as informações disponíveis a respeito são escassas.

Debate no Instituto Moreira Salles em SP reflete papel do jornalismo no debate público sobre questão das cidades
Rogério Lorenzoni
Debate no Instituto Moreira Salles em SP reflete papel do jornalismo no debate público sobre questão das cidades

Comprovar que não se fala no assunto não é difícil: basta uma rápida olhada em qualquer jornal para ver que política e economia são os grandes destaques, enquanto que as cidades são deixadas para as pequenas notas – sendo um tema tão relevante e presente na vida das pessoas, a situação está longe de ser a ideal. O assunto só ganha destaque em casos extraordinários, como a crise hídrica histórica que São Paulo viveu anos atrás. Problemas cotidianos de regiões outras regiões da cidade não são relevantes para a mídia. “No dia a dia você ignora [...] e não tem ideia do que está acontecendo fora do centro expandido”, criticou o jornalista especializado da Folha de S. Paulo , Raul Lores.

Reciprocidade

Se por lado critica-se a falta da presença do tema urbano nos noticiários, por outro lado o interesse público acerca disso ainda é baixo – e o problema foi endossado por todos os profissionais da mesa. Para um veículo não adianta trabalhar uma matéria que não dará retorno. Não é de hoje que o jornalismo se vê refém da audiência e depende dela na hora de determinar o que deve ou não entrar na sua agenda.

Preso em um ciclo perpétuo, algum dos dois lados precisará fazer algum movimento em breve: aos poucos, a população passará a olhar cada vez mais para o ambiente urbano e refletir sobre sua existência. João Gabriel de Lima afirma “a imprensa ajuda a definir o que as pessoas vão pensar” e emenda “essa é uma deficiência e uma demanda da sociedade [...] na próxima eleição a cidade vai ser um grande tema”.

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Rogério Lorenzoni

Jornalismo ainda não dá importância ao debate público acerca das cidades, arquitetura e urbanismo

“A atenção é escassa, a gente trabalha como um palco“ justifica o editor da Época , Marcelo Moura. Ele entende que apesar da necessidade de trazermos o urbanismo para dentro do círculo de temas, é preciso ter em mente o consumo e como irá se refletir em termos de audiência. Mesmo assim, como o próprio ressaltou, é necessário que se fale nisso para vencer o senso comum e fomentar opiniões mais bem fundamentadas sobre um assunto que é tão urgente.

Expertise

Outro problema para estabelecer uma cobertura satisfatória sobre cidades é quem são as pessoas por trás dela. Há uma hierarquia dentro de veículos de comunicação – enquanto alguns temas nobres gozam de profissionais altamente qualificados para explorá-los em profundida, urbanismo está entre as castas mais baixas da profissão e acaba sendo relegado para jornalistas ainda sem experiência e com qualificação baixa para tratar do assunto. Raul Lores chegou a ironizar o descaso com o posto falando que a incumbência acaba sendo deixada para os mais jovens que não ligam de entrar no meio das enchentes e “estragar os sapatos”.

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Mediação social

Diretor do canal Arte1 , Luciano Cury ainda se atentou para o papel de tradução que o jornalista ocupa. Fazendo o “meio de campo” entre especialistas e a população – que, no fundo, é a maior interessada no assunto – os profissionais de comunicação tem o desafio de tornar as cidades e sua arquitetura acessíveis para que qualquer um possa consumi-la. Mariana Barros, da Esquinas , encerra dizendo quando o jornalista cumpre esse papel mais pessoas passam a viver – e conviver – nas cidades e completa “a boa discussão traz pessoas que não são especialistas”. 

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