Maior operação anticorrupção da história do Brasil, e pelos números e ramificações quiçá do mundo, a Lava-Jato comporta em si um grande componente cinematográfico. José Padilha que já falou de corrupção nos dois “Tropa de Elite” e também em “Robocop” está desenvolvendo uma série para a Netflix, mas “Polícia Federal – A Lei é Para Todos” chegou antes.
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Pouca densidade e competição desigual
O filme de Marcelo Antunez é o primeiro de uma trilogia e se ocupa da recriação das circunstâncias que culminaram na deflagração da Lava Jato . “ Polícia Federal – A Lei é Para Todos ” evolui até a condução coercitiva de Lula , ocorrida em março de 2016, e que precipitou apenas um dos muitos momentos em que os poderosos do país atentaram contra a operação.
Em cerca de hora e meia, a fita se incumbe de dar conta de aproximadamente 20 fases da Lava Jato, dos receios e angústias de algumas figuras proeminentes dela, oxigenar variantes da operação, como a cobertura da imprensa, o impacto desta nas relações familiares dos envolvidos e dar ritmo de thriller ao desenvolvimento narrativo. Além, é claro, de fiar-se como uma defesa desembaraçada da operação que já dura mais de três anos e tem como um de seus objetivos moralizar o trato com a coisa pública.
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Como pode se ver, é muita coisa e mesmo que fosse possível dimensionar satisfatoriamente tudo isso em um único filme, “Polícia Federal – A Lei é Para Todos” é vítima do fato de ser contemporânea ao período histórico a que remete. Portanto, não há competição possível. A realidade tem muito mais complexidade, adrenalina e escândalo. A estruturação imposta pela realização, como se não bastassem todos esses obstáculos, é rasa. O filme se refugia em clichês, na lógica de policiais americanos e em um punhado de frases feitas para justificar personagens e anseios de âmbitos opostos da audiência. Em resumo é um filme que não consegue se materializar.
O elenco está irregular. Se Antonio Calloni é bem sucedido em preencher seu delegado Ivan de camadas insuspeitas que vão sendo descortinadas à medida que a força-tarefa mergulha na lama de corrupção à brasileira, Flavia Alessandra, Bruce Gomlevsky e os demais não conseguem exceder o lugar comum e viram reféns da superficialidade. Ary Fontoura encarna Lula com escárnio e presta um desserviço ao filme logo em seu clímax e Marcelo Serrado se limita a repetir tiques da persona pública de Sérgio Moro , que parece estar no filme mais como um capricho (já que seu nome é um fetiche tão adensado quanto o de Lula) do que para cumprir qualquer função narrativa.
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“Polícia Federal – A Lei é Para Todos” é pobre enquanto cinema, mas é uma bem-vinda carta de intenções. É, também, uma demonstração de amadurecimento do cinema brasileiro enquanto negócio, já que é um filme concebido todo ele sob uma lógica mercadológica que pressupõe um raciocínio de indústria que raramente se vê por aqui além das comédias. A Lava Jato, afinal, vende. Resta saber se contar com o patriotismo do brasileiro, que nunca foi lá essas coisas, vale a aposta.