Nova série da Globo, “Carcereiros” perde ao misturar ficção e realidade
Dois formatos não conversam bem, e parte documental diminui impacto da trama ficcional que conta, ainda, com ótima atuação de Rodrigo Lombardi
A Globo teve que repensar toda a sua estratégia para a exibição de “Carcereiros”. A série de Fernando Bonassi, Marçal Aquino e Denisson Ramalho estava programada para ir ao ar em janeiro deste ano, mas foi adiada por conta da morte de Domingos Montagner , que seria o protagonista. Com três semanas para o início das gravações, Rodrigo Lombardi foi chamado para substituí-lo e assumiu o papel de Adriano.
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A obra, baseada no livro “Carcereiros”, de Dráuzio Varella , se inspira na história de vários personagens para desenvolver os dramas vividos por Adriano ao longo de 12 episódios . Baseada em relatos reais que o médico ouviu durante os anos que trabalhou em presídios, os autores buscaram adaptá-los individualmente. De acordo com os autores, a intenção é que cada episódio possa ser visto individualmente. Pelo primeiro capítulo isso parece possível, apesar de não conhecermos a família de Adriano, que vai formar um dos arcos históricos de “ Carcereiros ”.
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Documentário
A ideia para a produção surgiu quando a Rede Globo comprou os direitos do livro de Dráuzio a pedido de Pedro Bial que passou, então, a desenvolver um documentário com a Spray Filmes e a Gullane. Os relatos dos carcereiros entrevistados para o projeto acabaram servindo também como base para a criação da série. Mas, não só isso, os relatos são apresentados em meio ao episódio. E isso é um problema. A narrativa ficcional é ótima e a série – roteiro, produção, direção, fotografia – não deixa nada a desejar para as produções internacionais, mas a mistura com o documental tira o brilho da ficção, além de ser desnecessário para a construção do episódio.
Bem no começo, por exemplo, um carcereiro (que aparece sem nome e sem contexto) comenta que quando o presídio ficava muito silencioso era um mal sinal. Na cena seguinte, Adriano e Valdir (Tony Tornado) caminham e a primeira frase de Adriano é: “está muito silencioso, eu não gosto disso”. Não tem como ficar mais óbvio.
Tempo
Ao apresentar o primeiro episódio, Marçal insiste que a série se passa em um “tempo imaginário”, não querendo adequá-la a um período definido de tempo. O diretor-geral Eduardo Belmonte corrobora, dizendo que foram feitos recortes de presídios em todo o Brasil para formar a colagem que vemos em “Carcereiros”. Mas, ao retirar o tempo, criando mais um aspecto lúdico e ficcional, esses carcereiros (que trabalharam em presídios nos últimos 30 ou 40 anos no máximo) ficam ainda mais deslocados.
Maratona
Os 12 episódios de “Carcereiros” vão ao ar na Globo Play nessa quinta-feira (08), facilitando os seriadores que adoram fazer uma maratona. E a série, com certeza, vale a pena ser vista. A direção de Belmonte é acertada, pelo menos no primeiro episódio. Lombardi se mostra mais do que competente na pele de um homem que procura ser justo, ao mesmo tempo que entende o perigo que corre no seu ofício. E a série transmite com eficiência esse sentimento de aprisionamento, mesmo quando o personagem pode sair livre a qualquer momento. Lombardi também parece entender esse conceito e mostra, por meio de Adriano que embora ele possa sair, sua escolha é ficar e tentar auxiliar como pode quem não tem a mesma opção.
“ Carcereiros ” – a série – poderia muito bem ser uma produção americana disponível no Netflix , ou abordada pela HBO. Não a toa, a série ganhou um prêmio em Cannes , onde concorreu com produções do mundo todo. Porém “Carcereiros” – o documentário – aparece completamente alheio e desnecessário. Não chega a estragar a magia da ficção, mas definitivamente atrapalha o ritmo da série.
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