Livre adaptação do filme independente australiano “A Pequena Morte” (2015), o espanhol “Kiki – Os Segredos do Desejo” (2016), de Paco León
, mostra cinco casais às voltas com peculiares fetiches sexuais. Alguns deles poderiam ser ajustados à categoria de desordem, disfunção ou distúrbio, mas esse é um pormenor desimportante para o filme e, doravante, para o público.
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Aventuras sexuais
É bastante clara a razão de uma refilmagem espanhola de uma produção recente. O tema sexo é sempre incendiário e o ponto de vista em questão, falar da perspectiva de normalidade sexual a partir do que percebemos como anormal, é narrativamente muito sedutora. “ Kiki ” articula o humor com mais escracho do que o filme de Josh Lawson e faz da latinidade, frequentemente alinhada a uma sexualidade mais eloquente, um bom diferencial a favor de seu filme.
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Isso pode ser percebido no drama vivido por Paco, interpretado pelo próprio diretor, e Ana (Ana Katz). O casal se queixa da queda da libido e, após frequentar um terapeuta sexual, tentam ousar sexualmente. A noite madrilenha e a amiga dele, Belén (Belén Cuesta), podem ser decisivos para a pacificação sexual na cama. É este arco o mais autoral e bem resolvido do filme de Paco León e isso talvez esteja relacionado com o fato dele ter atuado, literal e figurativamente, mais nele.
Todos os arcos são replicados do filme original, com uma ou outra pontual adaptação. Temos o casal em que o marido se excita com pessoas dormindo e resolve começar a drogar sua mulher para fazer sexo com ela enquanto ela dorme. Há, ainda, o casal em que a mulher descobre se excitar ao ver o marido chorar e passa a instigar nele momentos de profunda tristeza. O que, no mínimo, gera uma crise de harmonia.
O filme evita qualquer juízo de valor e aposta na compreensão de nossos instintos, uma saída progressista, para abalizar suas tramas. Isso pode ser percebido logo na abertura, quando Natalia (Natalia de Molina) conta para seu namorado, que ela espera que a peça em casamento, que teve o melhor orgasmo de sua vida durante um assalto – ela se excita ao ser vítima de violência. As cenas do segundo melhor orgasmo da vida dela são sobrepostas com cenas de sexo de animais.
Aí há outra divergência fundamental em relação ao filme australiano. Lá há a assunção de que a jovem goza em circunstância de violência e brutalidade. Aqui, se foca em uma questão de roubo, momentos de tensão e tal. De todo modo, essa não é a única peculiaridade de Natalia – e o arco é mais tratado como uma questão de disfunção do que como um fetiche mesmo.
Há, ainda, um casal com menos tempo de tela. Uma menina que se excita ao tocar determinados tecidos e um rapaz surdo. O casal é outro que sai perdendo na tradução, já que a trama deles é muito melhor desenvolvida na versão original.
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Ainda assim, “Kiki – Os Segredos do Desejo” é um filme muito recomendável. Tanto para quem viu o original, para poder fazer as irresistíveis comparações, como para quem nem sequer sabia se tratar de uma refilmagem até ler esta crítica. Bem azeitado, com bons atores e com a leveza desejável para se abordar um tema (ainda?) controvertido, o filme de León agrada casais, solteiros e todos os fetichistas entre eles.