Muito populares nos Estados Unidos, os  Talk Shows estão tomando conta da televisão brasileira. Com o extinto "Programa do Jô", um dos precursores do modelo no País, muitos apresentadores atualmente buscam se reinventar e trazer novas ideias e formatos para as telinhas. Entretanto, o que está por trás do boom desse formato e será que esses novos modelos, muitas vezes ousados, poderão se consolidar com o tempo? 

Gianne Carvalho/Divulgação Multishow
"Lady Night" é o mais recente Talk Show que tomou conta da televisão brasileira


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“No começo dos anos 1990 teve uma grande profusão do formato de Talk Show no país, mas o que aconteceu naquele momento foi uma multiplicação na linha mais popular, mais perto de programas de auditório, não tinha ninguém que soubesse conduzir, entrevistar com um humor como o Jô fazia”, comenta Fernanda Maurício, pesquisadora sobre o tema em entrevista ao iG . Atualmente, a comunicóloga enxerga o cenário com uma transformação do humor, em que os humoristas saíram dos palcos e de frente das câmeras para apostar no formato. “Houve uma necessidade das emissoras renovarem a programação e esse modelo de entrevista acabou encontrando a visão a partir da audiência, juvenil, que está relacionada a novo método de consumo que vai muito para a internet”, explica ressaltando a existência de diversos canais no YouTube que dialogam com os programas televisivos.  

Nesse cenário, os programas das terras do Tio Sam acabam sendo as grandes referências para o Brasil, ainda que o país esteja criando a sua própria linguagem. “Os Estados Unidos funcionam muito como espelho para o formato, o cenário, o conteúdo eu acho que é muito brasileiro”, opina Maurício. Sua ideia vai ao encontro com as pretensões das emissoras, como aconteceu com o Multishow ao preparar o programa de “Lady Night”, de Tata Wernack. “O primeiro ponto é a adequação ao gosto do brasileiro, ao gosto do consumidor de entretenimento do Brasil. Nós tentamos surpreender, criar situações diferentes, como acontece, por exemplo, com o quadro ‘Entrevista com Especialista’”, explica Guilherme Zattar, diretor da emissora.

Ainda, para a pesquisadora, outro ponto que caracteriza o formato brasileiro é o cerne da piada. “O entrevistado é só um escape para a piada e o brasileiro ri de si mesmo - o que é muito típico, mas os programas estão se transformando muito; não é mais focado nas entrevistas em si”, completa. De acordo com a pesquisadora, programas como o “Programa do Porchat” reestruturam essa lógica, trazendo inovações como a visita na casa do público, quadros diferentes e até mesmo a abordagem de temas como games durante episódios.

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Divulgação/Record

O comediante Fábio Porchat recebe diversos convidados no "Programa do Porchat" da Record

Já para Fábio Porchat, seu programa se encaixa, na verdade, na ideia de “late show”, que implica diretamente no fato do apresentador ser um humorista. “É um entretenimento, você é um entretenimento. É um momento que você está mais relaxado, não quer ouvir coisas tão sérias. O humor acaba deixando tudo mais leve”, defende o apresentador. Segundo sua análise, o Brasil teve 25 anos com um único expoente no formato, que era Jô Soares e então, mais tarde, apareceu Danilo Gentili antes do boom do formato na televisão. “No Brasil tem uma coisa que diferencia dos Estados Unidos. Lá os atores são independentes, os atores de Hollywood podem ir em qualquer programa, aqui nossos atores são contratados da Globo, de uma emissora e isso impede eles de participarem de alguns programas”, critica o comediante.

Os novos formatos

O atual boom de programas neste formato, para Maurício, nada mais é que uma maneira de inovar um gênero já antigo, que tem um histórico presente no país antes mesmo da década de 1990. Fábio Porchat, por sua vez, não contradiz a análise da pesquisadora: “Tá todo mundo tentando achar o seu próprio jeito de fazer”, comenta. Segundo o apresentador, o programa da Tata Wernack, “The Lady Night”, surge com a proposta de ser um programa de humor em formato de Talk Show e que a aparição dela em frente às telas é o mais significante do que quem está no palco. Já o “Conversa Com Bial”, por outro lado, vem com a proposta de trazer informação e debates, até pela formação do apresentador, como jornalista e não comediante. “Eu acho isso muito bom porque você não tem mais do mesmo, o mesmo formato variante disso”, opina.

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As mulheres no talk show

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Gianne Carvalho/Divulgação Multishow

Tatá Werneck em cena do último episódio da primeira temporada do programa "Lady Night"

O programa de Tata Wernack no Multishow, por sua vez, reascende um debate sobre a posição da mulher no humor. Para Guilherme Zattar, diretor do Multishow, a própria personalidade da comediante é um fator que chama atenção. “O sucesso do programa se deve à Tatá e às criações dela. Ela é uma figura única”, comenta. Seu protagonismo em frente às câmeras, entretanto, é uma novidade. “Historicamente, as mulheres ficam nos programas vespertinos. A Tata está tentando de fato entrar na área e mudando muito o talk show convencional”, comenta Fernanda Maurício. Segundo a pesquisadora, a tendência é de que as mulheres assumam outros espaços, como o caminho do lugar doméstico ou entrevistas com menos humor, como é o caso do programa icônico de Marília Gabriela, exibido no canal GNT.

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A aposta no programa de Tata Wernack, entretanto é assertiva para o Mulitshow. “Para manter o ritmo, vamos manter a estrutura e trazer quadros novos. A equipe de criação do programa e a Tatá já estão pensando nessas novidades que vamos trazer na próxima temporada de Lady Night”, antecipa Zattar.

A aposta das emissoras no formato

Apesar da Record, Globo e Multishow serem algumas das emissoras cujo formato ganhou destaque no catálogo de programação, o GNT já apostava em importar este tipo de programa do outro lado da América. “O Late Show com David Letterman era um dos programas de maior prestígio da TV americana na época em que licenciamos. Com uma maneira única de abordar os assuntos mais importantes do momento, David se destacava em relação aos outros apresentadores de talk shows americanos da época e é exatamente isso que nos fez pensar no Jimmy”, comenta Ana Carolina Lima, Diretora de Programação do canal.

Segundo Lima, o formato dos talk shows está de acordo com a filosofia da emissora, uma vez que busca trazer informação de forma relevante de uma maneira leve e descontraída. O GNT já chegou a exibir produções nacionais, liderados por Pedro Bial e Marília Gabriela, mas por conta de novos projetos, os jornalistas acabaram deixando de lado os seus programas na emissora. Apesar de ter apostado de maneira pioneira no formato, Lima ressalta que o boom do Talk Show, entretanto, se credita unicamente ao próprio sucesso do modelo. “Considerando principalmente o cenário atual de talk shows americanos, temos nomes como Stephen Colbert, Jimmy Kimmel e, claro, Jimmy Fallon transformando a experiência de assistir TV para o espectador. São engajados, conectados e, acima de tudo, relevantes para esse atual momento do Brasil e do mundo”, defende.

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Informação e humor

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Reprodução

O "Programa do Jô" foi um dos pioneiros em transmitir informação através do humor no Brasil

O casamento entre o humor e a informação, por outro lado, sempre rendeu muito debate. “Tradicionalmente o humor serve para fazer pensar, o objetivo é fazer pensar. A comédia as vezes mas o humor procura trazer uma realidade, o riso para pensar, para fazer reflexão”, defende Fernanda Maurício. Para ela, a ascensão dos variados formatos de Talk show no cenário vem acompanhada de uma demanda do público juvenil que busca se informar de uma maneira não tradicional. “Há certa saturação de entrevistas formais, de falar de politica e economia só do ponto de vista das instituições, então a audiência me parece que quer ver o politico em situações desconfortáveis que o humor permite”, comenta.

Fábio Porchat, por sua vez, não hesita em afirmar que o formato deste tipo de programa – incluindo o seu próprio – seja uma fonte de informação. “A pessoa está dando informação, dando opiniões. Por si só entrevista é fonte de informação. Com o humor você pode fazer rir, pensar, você pode falar das notícias. Meus monólogos, por exemplo, são sempre políticos”, comenta.

Entretanto, a desinformação também é uma realidade destes programas, até porque, como afirma Maurício, todo o espaço midiático pode promover esse tipo de situação. “Não é uma particularidade do formato, mas como o Talk Show tem inícios muito amplos, às vezes acontece exageros de fato, como piadas muito machistas que não precisaria falar”, comenta. Entretanto, segundo ela, por conta das redes sociais atualmente o público está muito mais vigilante a respeito dessas questões e acabam tornando-se os críticos do próprio programa que consome. “Não existe código de ética, legislação que preveja uma regularização para as pessoas como alinhar que não ultrapassem os limites, acho que a sociedade tem que dialogar”, completa.
Fábio Porchat, por outro lado, defende que “toda informação é informativa”. Como apresentador, já passou por situações que um convidado tenha opiniões controversas, entretanto, ele acredita que a sua função no palco é prezar pelo diálogo e pela reflexão. “Um convidado uma vez defendeu a ditadura militar, algo que eu sou totalmente contra, mas a pessoa tem o direito de falar o que bem entender e eu posso contrapor, sugerir. O mais interessante é fazer a pessoa pensar sobre aquilo que tá falando”, opina.

Lourival Ribeiro/SBT
"The Noite" com Danilo Gentilli emancipou a liberdade do formato no Brasil

A ideia de trazer informação através de um programa como o talk show, entretanto, é motivo de sátira para o programa “Lady Night”. No quadro “Pergunte ao Especialista”, Tata Werneck convida alguma pessoa cujo currículo está voltado para um tema específico e faz perguntas pra lá de bizarras levando o público ao riso. “O nosso grande objetivo é entreter e divertir, sem o compromisso de trazer informações sérias. Mas nas entrelinhas, um quadro como o do Especialista também passa um tipo de informação”, comenta Zattar.

Se o talk show com esse novo fôlego vai se perpetuar nas televisões brasileiras, só o tempo pode dizer. Entretanto, algumas pessoas já preveem o que pode vir por aí. “Eu acho que veio para ficar porque a gente precisa substituir o Jô, a gente precisa ter alguém para assumir essa posição e mais legal ainda é quando tem em cada emissora, quando tem muita variedade de um tipo de programa que o Brasil já gostava”, opina Porchat.

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