Literatura performática: novo gênero ou característica da arte?

A literatura sempre criou e recriou realidades diferentes durante todos os seus anos de existência. O que seria, então, uma literatura performática?

Durante milênios, o ser humano utilizou-se da escrita para exprimir suas ideias, sentimentos e opiniões sobre o mundo que os cerca. Com esses símbolos, que chamamos de letras, a escrita atingiu o patamar de também tornar-se arte. É pelas palavras que os escritores transformam a poesia em algo palpável, discorrendo sobre a realidade, criando mundos distópicos ou até mesmo universos paralelos. Diversas formas de escrita têm sido experimentadas com o tempo, o que acabou gerando no mundo da academia os mais variados gêneros literários . Entretanto, a intervenção da literatura na realidade contemporânea surgiu como mais uma discussão literária: seria um novo gênero, intitulado como performática, ou algo intrínseco a esta arte ?

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A literatura performática pode ser considerada um novo gênero?


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“Eu acho que a literatura tá sempre aberta. Eu não acredito em rótulos ou regras, eu acho que a literatura possa trazer outros olhares, isso traz um frescor para qualquer arte”, comenta o escritor Marcelo Maluf, autor do livro “A Imensidão Íntima dos Carneiros”, que remonta as narrativas orais da história de vida de seu avô. “Eu acho que a grande questão é como vamos fazer isso e o que pode gerar, me interessa como você trabalhou isso e o que isso irá virar, isso vai virar um bom caminho para a arte?”, questiona.

Para Maluf, essa intervenção da literatura na realidade contemporânea não se limita a escrever ou descrever acontecimentos que estejam recorrentes no momento. “O que me importa mesmo é a literatura, a qualidade dela, seja ela fantástica, realista... qualquer ordem. Se ela está ligada à autobiografia ou à realidade contemporânea depende de cada autor, mas o mais importante é o resultado disso. Posso falar da idade média falando sobre assuntos contemporâneos, não preciso sempre estar relacionado com o presente”, comenta. “O autor hoje produzindo é quase que inevitável não estar ligado no mundo. Isso vai transbordar pela sua literatura, alguns vão fazer isso de maneira mais explicita outros de uma maneira menos, mas qualquer literatura produzida diz respeito a nosso tempo. O nosso tempo é complexo, não se define em um único modo”, completa.

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Para Marcelino Freire, autor de “Contos Negreiros”, vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 2006, “a literatura é o tempo presente”. “Toda literatura foi feita e escrita no momento presente. Um presente que se estende até nosso futuro. Machado de Assis é atualíssimo. Carolina Maria de Jesus está escrevendo agora. Não nota? Tudo em permanente movimento. A literatura é movimento contínuo. E eterno”, opina. Para ele, a escrita performática é um tipo de escrita inquieta. “Este algo que mexe, sacode, pula. É um grito, uma voz esperneando”, comenta. “Nesse sentido, minha palavra nunca está parada. Minhas palavras são muitas. Eu as solto no papel, no gesto, no palco. Podem ser lidas em silêncio e em voz alta”, completa o autor que também afirma escrever “para me vingar. De uma sociedade, de algo que não vai bem”.

Um novo gênero?

A ideia de intervenção da literatura na atualidade veio à tona com o termo literatura performática, que ganhou força depois da polêmica do livro “Diários da Cadeia” de Eduardo Cunha pseudônimo, obra que mais tarde foi atribuída ao escritor Ricardo Lísias. Para ele, como mencionou em entrevista exclusiva ao iG , “É algo que faz com a obra salte desse mundo, ela vai parar em outras instâncias da realidade. Às vezes as artes plásticas fazem isso, é outra cultura que a gente acaba tendo. O teatro também é muito assim. No caso da literatura ela acaba intervindo na realidade ao redor de uma maneira mais sensitiva”, comentou. Seu livro, publicado pela editora Record, chegou a ser proibido pela Justiça de circular nas livrarias, mas mais tarde a decisão foi reavaliada.

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Capa do livro 'Diário da Cadeia'

Apesar de ter tido uma trajetória conturbada para finalmente chegar às estantes das livrarias, Carlos Andreazza, editor da obra garante que não se trata de um livro polêmico. “Esse tipo de obra, na falta de um olhar crítico consistente, sempre escorrega para o campo fácil, rasteiro, da polêmica. Mas qual é a polêmica? O uso do pseudônimo Eduardo Cunha? Ora, vamos regredir quantos séculos até compreendermos novamente o instrumental da ficção? Esse tipo de obra, na falta de uma cultura literária sólida, que defenda a natureza libertária da ficção, não raro descamba também para os tribunais. No Brasil, terra de intocáveis, editor que publica autor brasileiro e que lida com a realidade política do país corre mesmo riscos, inclusive judiciais”, opina. “Muitos são livros corajosos, porque enfrentam bloqueios ou resistências de ordem ideológica, ou porque prosperam mesmo diante dos riscos judiciais. Mas isso não os torna polêmicos. Chamar algo que toma riscos, que rema contra a maré, que pretende ser voz divergente, que quer oferecer o outro lado, de polêmico é transformar o contraditório – que deveria ser fundamental e inegociável – em excentricidade”, completa o editor, que também já assinou a edição de outros livros que causaram burburinhos na mídia, como das biografias não autorizadas de “Dirceu” e “Tudo ou nada: Eike Batista e a verdadeira história do Grupo X”.

A ideia de literatura performática, entretanto, para o escritor Marcelo Maluf não parece uma novidade para o mundo da arte. “Tanto na literatura quanto nas artes visuais se você pegar os vanguardistas no começo do século você percebe que de alguma maneira a sua vida e a relação da vida com a arte estava delicada. Eu não vejo como algo novo, mas um caminho que sempre existiu e está sendo explorado. Pode ser que esteja sendo mais explorado hoje diante de tudo o que estamos vivendo e que esteja ganhando força”, opina.

Marcelino Freire defende que a performance da literatura também sempre esteve na história dessa arte e que esse movimento das palavras podem definir também o seu trabalho. “Meus parágrafos não param quietos. Mas eu acho que isto está em toda literatura, desde sempre. Em Machado de Assis, em Cervantes. Tudo em movimento. Se a isso dão o nome de ‘literatura performática’, estou dentro...”, comenta.

Futuro da literatura

Para Carlos Andreazza, a trajetória de publicação de “O Diario da Cadeia” pode significar um estímulo para que  ”outras editoras invistam em literatura dessa natureza. É claro que há perigos, mas a Justiça está mostrando que a ficção – que a arte – é valor que a sociedade não negocia.”, comenta. Questionado sobre a existência de obras com este viés, o editor não hesita em responder: “Em falta no País, sobretudo, está a coragem. Está o compromisso com debate, com o contraditório; está o compromisso incondicional, livre de ideologias e patotas, com a liberdade”, afirma.

Se a tal literatura performática vai pegar como gênero para a escrita literária e entrar no universo da academia, por outro lado, só o tempo poderá responder. “Como gênero eu não sei, essa coisa do gênero tá tudo tão hibrido eu não vejo mais as fronteiras elas se quebraram tanto que eu prefiro muito mais a liberdade que a camisa de força do gênero. Gosto da liberdade, que isso seja livre”, afirma Marcelo Maluf em relação à possibilidade da literatura performática estar em falta no País. “Se isso vier como gênero, que venha na história. Nada é necessário, o necessário é fazer boa arte”, completa o escritor.