O ano era 1970: o embaixador da Alemanha Ocidental era sequestrado no Rio de Janeiro, José Carlos de Figueiredo Ferraz vencia as eleições municipais em São Paulo, o Black Sabbath lançava o seu primeiro disco homônimo enquanto os Beatles anunciavam o seu fim, o rapper Mano Brown nascia e Jimi Hendrix deixava o mundo nos Estados Unidos. Enquanto a ditadura militar chicoteava a população brasileira, o personagem Leão tomava as páginas da revista “Sibila”. A arquitetura dos desenhos ficava, por sua vez, por conta das mãos de uma pessoa que viria a ser um grande nome dos quadrinhos : Laerte Coutinho .
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Na época, com apenas 19 anos, Laerte - que virou tema de documentário da Netflix - já iniciava a sua carreira como cartunista colaborando para revistas e até mesmo criando o seu próprio veículo de comunicação. Ao lado do ilustrador Luiz Gê, a revista “Balão” pôde nascer, ao mesmo tempo em que Laerte divida o tempo com os estudos de jornalismo na Escola De Comunicação e Artes da USP. A contribuição de Laerte para o mundo dos quadrinhos continuou por muitos anos, com personagens como Piratas do Tietê, Overman, Suriá e até mesmo Deus, e foi através delas que – até então – o artista descobriu que talvez a sua precisava de uma mudança que viria de dentro para fora.
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Segundo Laerte, em entrevista concedida ao iG em 2014, a descoberta de si como mulher aconteceu em 2004, quando publicou uma tirinha de um dos seus personagens icônicos, Hugo, na qual ele se travestia. “Isso chamou atenção das pessoas do circuito crossdresser, mas demorou uns cinco anos até eu decidir que queria isso”, revelou para a publicação. Diante de anos turbulentos, depois da morte de seu filho em um acidente de carro em 2005, a cartunista intensificou o descobrimento de si mesma pela terapia e em 2009, Laerte finalmente despertou a transgeneridade em sua vida utilizando roupas que geralmente são atribuídas ao sexo feminino, se identificando com este gênero.
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Suas mudanças logo chamaram atenção do público brasileiro e as discussões sobre sexualidade e gênero ascenderam por Laerte. Em 2012, chegou a ser protagonista do curta-metragem premiado no Festival de Brasília “Vestido de Laerte”, dirigido por Cláudia Priscilla e Pedro Marques. Além disso, participou do documentário de Miriam Chnaiderman, “De Gravata e Unha Vermelha”, que busca discutir a realidade do “T” da sigla LGBT e dos adeptos de crossdressing e as suas relações com o corpo e a sociedade. Agora, a cartunista volta para os holofotes no documentário dirigido por Eliane Brum e Lygia Barbosa da Silva, “Laerte-se”, que busca discutir o que é, afinal, ser mulher, investigando sua figura.
Laerte-se
O documentário de Laerte é uma produção original da Netflix que chega ao serviço de streaming dia 19 de Maio e recupera a jornada da cartunista, além dos labirintos de sua mente tanto na criação, quanto na sua vida pessoal.