Desde o início da humanidade, o ser humano sempre buscou tentar se expressar através da arte. Seja nas artes plásticas, em cima de um palco ou mesmo utilizando as cordas – vocais ou de um instrumento -, muitas ideias, discussões e reflexões foram apresentadas e representadas pela potencialidade da criatividade humana. A construção social relacionada ao gênero, por sua vez, não estaria distante dessa premissa. Em tempos de constantes questionamentos acerca do tema, fica a dúvida: pôde a arte antecipar discussões sobre o gênero antes mesmo de elas ocuparem o debate público?
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Segundo a artista e pesquisadora Rosana Paulino, a arte pode ser considerada uma vanguardista em relação à discussão de gênero. “E isso não é só uma resposta do século XX, quando surgiu com muita força a arte feminista. A gente vai ver que muitas artistas já tinham abordado aspectos daquilo que chamamos vida feminina ou olhar diferenciado do que os homens buscavam na profissão de arte”, revelou a profissional em entrevista ao iG .
Ainda na década de 1920, a mexicana Frida Kahlo, por exemplo, levantou debates sobre sexualidade, ciclos dos corpos, gravidez, relação com o feto e mortificação com apenas um pincel, como exemplificou a pesquisadora. Os temas, entretanto, foram encarados como polêmicos para a época e a própria imagem da artista já se mostrava questionadora de padrões. Mais tarde, na década de 1960, outros nomes também surgiram com essa intenção de romper barreiras, como o da australiana Valie Export, que foi a precursora de temas que começavam a ser abordados na época, como a questão do estupro e a desvalorização da mulher.
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Nesse âmbito, a clássica indagação se a arte imita a vida ou a vida imita a arte se desenrola de maneira complementar, como defende Paulino. “A arte pode tanto refletir um fato, como por exemplo, artistas que vão trabalhar com temas muito específicos que estão ali na sociedade aquele momento e que mexem com ela de forma que ela responderá a isso e, em alguns casos, a arte está um pouco à frente”, explica. “Ela traz temas que muitas vezes a sociedade demora para reconhecer”, completa.
Rompendo estereótipos
Não é apenas a arte, como os seus próprios criadores que podem ser vanguardistas nas questões de gênero. Na história da música brasileira, algumas mentes inovadoras trouxeram à tona não só um estilo diferente de se fazer canções como também se portaram de maneira questionadora. Um exemplo é a cantora Cássia Eller, que já nos anos 1990 rejeitava a feminilidade imposta às mulheres, um tema que hoje é bastante debatido e abriu espaço para que outros artistas, como Liniker, pudessem também reavaliar os estereótipos de gênero impostos na sociedade.
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“Você é o que você faz. Você ser artista é porque algo está te inquietando. Eles são isso, a arte é sua vida, o que move o artista são as inquietações. Não tem como tirar a sua pele e deixar de ser o que você é. Seja no campo, seja na produção de artes visuais, você vai trazer essa percepção e isso que faz você ser artista”, reflete Paulino. “Para mim o papel da arte é levantar questões para que possamos ter uma sociedade um pouquinho mais igualitária”, completa a artista.