Com Carolina Ferraz inspirada, “A Glória e a Graça” exalta espírito humano
Na pele de uma travesti que volta ao convívio familiar depois de 15 anos, Carolina Ferraz vive seu grande momento como atriz. Produção estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (30); leia a crítica
Por Reinaldo Glioche |
Há personagens que fazem muito pelos atores que os interpretam e Glória, defendida com ternura, garra e extraordinária humanidade por Carolina Ferraz , faz muito pela atriz nessa sua rara incursão pelo cinema. Ferraz lutou muito para tirar o filme “A Glória e a Graça”, que estreia nesta quinta-feira (30) do papel e o filme é tanto de Flavio Ramos Tambellini (“Malu de Bicicleta”) quanto dela.
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“A Glória e a Graça” começa com Graça (Sandra Corveloni) descobrindo que tem um aneurisma fatal e que precisa mais do que deixar sua vida em ordem, deixar seus filhos – Papoula (Sofia Marques), de 15 anos, e Moreno (Vicente Demori), de oito – amparados. Ela entra, portanto, em contato com Luis Carlos, o irmão com quem não fala há 15 anos. Só que Luis Carlos agora é Glória e é a partir dessa aproximação desajeitada que o filme se constrói dramaticamente.
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Apesar de girar em torno de uma personagem transexual, o filme não se resolve em torno da mudança de sexo de Glória, nem mesmo de como isso é percebido pela família. Trata-se de uma opção francamente progressista e em sintonia com o objetivo de mostrar uma história de valor humano e resgate familiar. Glória e Graça, naturalmente, têm demandas reprimidas em relação uma a outra e aos poucos, o roteiro de Mikael Albuquerque e Lusa Silvestre vai dando conta de posicioná-las narrativamente.
Há, por exemplo, a apreensão de Graça com a maneira que Glória vai cuidar de Moreno, que parece viver uma fase introspectiva. “O pai dele fugiu e ele é criado por mulheres, mas é preciso cria-lo como homem”, observa. Texto e atrizes têm o cuidado de perpassar conflitos extremamente íntimos, mas de inegável relevância social, com sensibilidade e finesse. Há, claro, a problematização de preconceitos enraizados, mas ela se dá de maneira orgânica e no contexto da narrativa. Um mérito de um filme nitidamente produzido com carinho.
Não à toa, Tambellini permeia o filme de leveza e humor, características que empresta da protagonista. Glória prima pela coragem e generosidade e é uma solução narrativamente inteligente alinhar personagem e registro de maneira tão umbilical.
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Sob muitos aspectos, este é um filme de atrizes. Carol Marra é este terceiro elemento. Redimindo a transexualidade tão usurpada pelo meio artístico com uma personagem doce e que vê em Glória uma mãe postiça. Corveloni apresenta aquele minimalismo reverberante que a consagrou e Carolina Ferraz assume de peito aberto a mais almodovariana de suas personagens em “A Glória e a Graça”. É o grande papel de sua carreira e ela atua com essa convicção. Um trabalho que irradia o filme e deixa por ele se iluminar.