Esperava-se um Oscar de discursos inflamados contra Donald Trump , mas tirando uma menção aqui e acolá – em sua maioria vinda de artistas estrangeiros como Gael Garcia Bernal e o maquiador italiano de “Esquadrão Suicida” - pouco de resistência ao presidente dos Estados Unidos se viu no Oscar 2017. O que não quer dizer que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood não se posicionou enquanto colegiado contra os impulsos do atual ocupante da Casa Branca.
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A presidente da Academia Cheryl Boone Isaacs saudou a internacionalização da instituição e lembrou que o Oscar esteve mais inclusivo neste ano e os dois filmes premiados como os melhores do ano carregam em si e nas distinções a eles feitas a pecha de manifestos políticos. “O Apartamento” , que valeu ao cineasta Asghar Farhadi seu segundo triunfo em produção estrangeira, bateu o favorito “Toni Erdmann”.
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“Eu me sinto honrado de receber esse prêmio pela segunda vez. Eu sinto muito não estar aí nesta noite. Minha ausência é um sinal de respeito às pessoas do meu país e dos outros seis países que estão sendo desumanamente discriminadas pela lei que bane imigrantes na América”, disse Farhadi em uma carta lida pela engenheira Anousheh Ansar no palco do Oscar. “Dividir o mundo entre nós e nossos inimigos cria medo e fomenta a guerra”, continuou o cineasta que apelou à importância dos cineastas e da arte em geral de propagar consciência e informação.
O filme de Farhadi começou a ganhar força na esteira da polêmica medida preventiva adotada pelo governo de Donald Trump. Outro vencedor importante nesse contexto foi o documentário em curta-metragem “Os Capacetes Brancos”, que mostra o trabalho de voluntários na Guerra Civil na Síria.
Nenhuma dessas vitórias, no entanto, representa um posicionamento contrário a Trump tão eloquente quanto o triunfo de “Moonlight” em melhor filme. Nos últimos dias o filme passou a ser muito comentado em Hollywood e havia quem simplesmente não aceitasse o fato de a academia premiar um musical sonhador em meio a tamanha ebulição política. “Moonlight” era o candidato mais transgressivo para responder ascensão da era Trump e a Academia, cada vez mais sintonizada à ideia de cumprir uma agenda social positiva e propositiva, resolveu atender a esse chamado.
“Moonlight” trata de um jovem negro e gay em um momento que a intolerância é semeada de maneira institucionalizada nos EUA. A consagração no Oscar amplifica a relevância social de um filme que tem também muitos méritos artísticos.
Mais (algumas) surpresas
A vitória de “Moonlight” não foi a única surpresa da noite. A possível derrota de “La La Land” – que ainda assim foi o vencedor em termos quantitativos do Oscar – foi sinalizada quando “Até o Último Homem” levou o troféu de montagem, que muitos davam como certo para o musical.
Casey Affleck, que venceu por “Manchester à Beira-Mar” entre os atores , não pode ser considerado uma surpresa, mas poucos acreditavam em suas chances de superar o favorito Denzel Washington. Até ele mesmo parecia incrédulo.
Entre as atrizes, Emma Stone não deu espaço para a zebra francesa personificada por Isabelle Huppert e confirmou seu favoritismo por “La La Land”. No entanto, como o filme não venceu o Oscar, permanece uma incômoda estatística. Desde 2005, quando Hillary Swank venceu por “Menina de Ouro”, o Oscar não compatibiliza melhor atriz e melhor filme na mesma edição.
Nostalgia
Ao assistir a cerimônia, porém, a impressão era de que “La La Land” seria mesmo o vencedor do Oscar. As referências lisonjeiras a clássicos do cinema, com direito até mesmo a participação brasileira , dava ao programa um astral bem “La La Land”. Foi um Oscar nostálgico e reverente à história do cinema. Do tipo que agrada a qualquer cinéfilo.
Quem agradou também foi o apresentador Jimmy Kimmel. Ele enfileirou boas piadas com Matt Damon, com quem implicava sempre que podia, com Mel Gibson (“Há apenas um coração valente nessa sala e ele não vai nos unir”) e Donald Trump. Além de tuitar ao vivo para provocar o mandatário da nação, disparou em seu monólogo de abertura: “Eu quero agradecer ao presidente. Lembram ano passado quando o Oscar parecia racista?”