“A Partida” (Japão, 2008), “O Quarto do Filho” (Itália, 2001), “Minha Vida sem Mim” (EUA, 2003) e “AntiCristo” (EUA/Dinamarca 2009) são alguns exemplos de excelentes filmes sobre o luto. “Manchester à Beira-Mar”, que causou sensação no festival de Sundance de 2016 e desponta como um dos favoritos ao Oscar 2017, se junta a essa distinta lista com contundência e vigor.
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O terceiro filme do dramaturgo e roteirista Kenneth Lonergan como diretor é um filme denso, grave e sufocante. Daqueles que drena a energia da audiência, mas a recompensa com uma história tão envolvente, tão estupenda em suas miudezas, que o incômodo provocado durante as cerca de duas horas de “Manchester à Beira-Mar” se transmuta em alegria genuína por ter assistido um filme tão singular.
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Quando pousamos os olhos em Lee Chandler (Casey Affleck, que já já ganha um parágrafo exclusivo), ele vegeta antipatia. Como zelador de um par de prédios em Boston, Lee não faz a menor questão de ser gentil, simpático ou mesmo de travar qualquer interação social. Um belo dia ele recebe a notícia de que seu irmão Joe (Kyle Chandler), que tinha um problema cardíaco congênito, morrera. Ele, então, precisa se deslocar para a pequena e litorânea Manchester para cuidar das demandas que surgem; dentre as quais, o sobrinho Patrick (Lucas Hedges).
Lonergan costura flashbacks com duas agendas. Dar contexto ao flagelo emocional de Lee, que como já havíamos flagrado precedia a morte de seu irmão, e adensar a excepcional elaboração sobre o luto que o filme aventa de maneira tão multifacetada quanto inusitada. Multifacetada porque apesar de Lee ocupar o foco da narrativa, há a observação de como outros personagens lidam com o luto. E inusitada porque o luto aqui é tratado tanto como elemento aprisionador como remidor.
O roteiro é um primor. Não há uma vírgula sem função dramática e isso é ressaltado pela entonação imposta por um elenco soberbo. A direção não fica atrás. Lonergan evolui em relação a seus filmes anteriores (“Conte Comigo” e “Margaret”) e, desde a direção dos atores, à valorização das locações como recurso dramático, passando pela trilha sonora precisa e pela respiração do filme – a maneira orgânica que introjeta o humor na tragédia - , o cineasta merece louvores e prêmios por fazer com que seu filme atinja todo o seu potencial.
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O jovem Lucas Hedges é uma revelação extraordinária. A leveza doída que afere a Patrick ecoa com força junto ao público. Michelle Williams e Kyle Chandler também estão irretocáveis, mas Casey Affleck é um caso sobrenatural.
O irmão de Ben Affleck já havia provado ser um bom ator em filmes tão diversos como “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford” (2007), “Medo da Verdade” (2007) e “O Assassino em Mim” (2010), mas seu trabalho aqui transcende a mera adjetivação. Conciliando sutileza e robustez, o ator agarra seu Lee Chandler com desprendimento e entrega uma atuação tão magnífica, tão esculpida na dor e no desencanto, que é impossível não se comover. Não reagir a ela.
“Manchester à Beira-Mar” é um filme muito inteligente na maneira como se configura em um filme emocional, não necessariamente emotivo. Essa qualidade, de incomodar a audiência e realizar o cinéfilo, o torna ímpar no cenário atual. Prêmios são mera consequência dessa constatação.