O cinema do iraniano Asghar Farhadi é daquele tipo que trabalha a atmosfera do “elefante na sala”. É reiteradamente impressionante sua capacidade de elaborar e destrinchar conflitos de grande complexidade que remetem a hábitos culturais e sociais do Irã, mas que se comunicam com grandes dilemas humanos nos mais variados eixos, do ponto de vista econômico ao comportamental. “O Apartamento”, que estreia nesta quinta-feira (5) nos cinemas brasileiros não foge a essa peculiar e assombrosa regra.
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Duplamente premiado no último festival de Cannes, com as Palmas de roteiro e ator, “O Apartamento” examina as distorções sociais inerentes à sociedade iraniana a partir de um desentendimento envolvendo um apartamento. Emad ( Shahab Hosseini ) e Rana (Taraneh Alidoosti) vão morar no imóvel de um amigo depois que o deles fica comprometido por causa de um tremor de terra. Logo nos primeiros dias na nova morada, Rana é vítima de uma agressão física por um homem que entrara no apartamento à procura da antiga moradora, que vivia uma vida promíscua para os padrões religiosos do país.
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A mulher recebia homens em sua casa e na angústia crescente que acomete Emad a ciência disso é tão incômoda quanto o fato de sua esposa ter sido vitima de uma violência. Farhadi tempera a desconstrução desse casal, que inserido no mundo das artes espera-se mais progressista, com a peça “A Morte do Caixeiro Viajante” , de Arthur Miller, que os dois encenam.
O filme alterna momentos de conflagração de conflitos entre o casal na vida real com momentos de tensão da peça. É um achado em termos de narrativa que irriga o drama experimentado pelo casal que vê ritos culturais invadir sua vida conjugal de maneira desestabilizadora.
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Como em “A Separação” e “O Passado”, seus filmes anteriores, uma crise conjugal serve como plataforma para discutir preceitos tão diversos como religião e costumes. A potência do cinema do iraniano reside fundamentalmente nessa habilidade de expandir o comentário a partir de um microcosmo.
Informalmente, “O Apartamento”, que concorre ao Globo de Ouro de filme em língua estrangeira no próximo domingo (8) e ainda está no páreo para uma indicação ao Oscar, fecha uma trilogia do cineasta. Uma que tangencia todo o mal-estar alavancado por hábitos culturais parados no tempo.