
“Beije-me, e você vai saber quão importante eu sou”
Sylvia Plath
Minha atividade profissional me facultou muita liberdade. Até exagerada. Depois que casei virei o que algumas amigas chamaram de “escrava do lar meio periodo”. Quando escolhi a carreira de marketing politico nunca achei que me realizaria. Num meio cheio de estrelas e politicos foi muito difícil conseguir entrosamento.
Mas tudo mudou quando organizei um curso especial e aos 38 anos eu ja era a diretora regional da empresa e ele foi se acomodando com bicos. O hábito de registrar nos diários veio a partir de uma piada que meu pai contava. ‘O presidente da academia brasileira de letras foi designado para ciceronear o físico Albert Einstein em sua visita ao Brasil. Então, num dos passeios de carro o curioso físico alemão perguntou ao chefe da ABL o que tanto ele anotava:
‘- É um diário, eu anoto todas as minhas ideias. E o Sr. não anota nada?’
Ao que Einstein teria respondido:
‘A última coisa que lembro ter anotado foi a teoria geral da relatividade.’
O sarcasmo é genial e achei excelente a ideia de ficar anotando o meu dia a dia.
Há uma longa tradição de diários que produziram inspiração para obras importantes da literatura.
E a poesia?
Ela precisa ser registrada no momento, o trabalho pesado vem depois. Mas a ideia de que há um trabalho inicial que vem a partir do que os cientistas definiram como ‘pensamento rápido’, e o registro destes pensamentos é essencial.
Um detalhe importante: nunca anotei as informações e reflexões mais sensíveis no computador: eu só datilografava e colava as paginas no diário.
Cheguei de moto e estacionei fora do condomínio.
Ao interfonar apenas me identifiquei como uma conhecida amiga dele, inventei Arlete. Ele tinha muitas amigas e autorizou minha entrada. O prédio era de um estilo brega luxuoso. Com fontes e lagos artificiais kitch - nao esperava nada muito diferente - e um paisagismo bizarro, com cascatinhas ridiculas na entrada social.
Eu andei muito até chegar a entrada. Depois de me identificar nas 2 portarias precisava de um código para o elevador e descubro que precisava de um qr-code impresso. Tive que usar o interfone. Ele atendeu. E, claro, reconheceu minha voz.
Desligou na hora e avisou a segurança. Alarme. Vieram as motos de seguranças armados.
Por pouco não parei na delegacia.
Agora era óbvio. Precisava de ajuda profissional.
Recuperar meus diários passou a ser urgente. Eles eram a garantia da minha sobrevivência.
E também da minha ruina.
No dia seguinte recebi um aviso anonimo pelo celular
‘Da próxima vez não sairá tão barato”
Estava numa enrascada. Mesmo assim assumo tudo que fiz.
Desde o inicio desconfiava no que estava me metendo, mas não era só o meu futuro que estava em jogo, era o de uma ideia. Uma ideia sobre a liberdade feminina. Sobre o modo de pensar. A ameaça era a prova de que meus diários não portavam só as letras, eu sabia, eles eram um tonel de pólvora.
Nem tinha tanta consciência de que aquilo que escrevi teria tanta importância.
Talvez nem tenha, mas agora é uma questão de honra.
E de ética. E de estética. E de principios!
Continua