Marcelo Bandeira
Exclusivo

Junior Vieira fala da importância de Andrea Avancini em sua trajetória

Em conversa exclusiva, o multifacetado artista cita carreira, novelas, séries, filmes, peças e também a filha do diretor Walter Avancini

Foto: Roney Lucio
Junior Vieira

Com 20 anos de estrada e 35 de idade, Junior Vieira festeja o momento profissional cheio de planos. Maranhense, ele é o protagonista do longa-metragem "O Último Animal", do português Leonel Vieira, que foi um dos concorrentes no 50° Festival de Cinema de Gramado. Em breve, começa a rodar um audiovisual sobre Durocher, a primeira parteira mulher no Brasil.

Em seu currículo constam trabalhos como "Nos Tempos do Imperador", da Globo, e "Tô de Graça", do Multishow. Na HBO Max, está em "Galera FC" e, na Warner, em "Era Uma Vez Uma História", dirigida pelo vencedor do Oscar, Juan Campanella, em que interpreta o líder abolicionista José do Patrocínio. 

Já na Prime Video, pode ser visto nos seriados "Impuros" e "O Jogo" e no filme musical "Maré, Nossa História de Amor". Junior Vieira também está na Netflix com o longa sucesso de bilheteria "É Fada", em que faz par com Kéfera Buchmann. No teatro, o ator deu vida a Martinho da Vila no espetáculo que retrata sua biografia.

Foto: Reprodução/Instagram
Junior Vieira representou Martinho da Vila na fase jovem da peça 'Martinho da Vila 8.0 – Uma Filosofia de Vida'

Recentemente, encerrou as filmagens de "Nosso Sonho", sobre a dupla Claudinho e Buchecha, em que assina a direção ao lado de Eduardo Albergaria. Já como roteirista, foi um dos colaboradores de "A Toca", na Netflix, e desenvolve um filme que será produzido pelo diretor Fernando Meirelles.

Engajado, Junior concebeu e dirigiu a campanha "Quero Ser Feliz", que abriu a Assembleia Geral da ONU em Nova York e foi a vencedora do prêmio de melhor web publicidade no Festival Internacional Web Fest. Por conta disso, foi convidado pela Globo para criar e dirigir as campanhas do selo Respeito e da websérie "Negritudes".  No mês de junho, inclusive, o Globoplay exibiu o projeto "Negritudes 22".  Confira os melhores momentos da entrevista!

1. Festejando vinte anos de carreira, como surgiu o Junior Vieira artista?

Nossa, muito tempo, não? Posso dizer que surgiu da necessidade de mudar uma trajetória de insucessos na vida de minha família. E eu, homem periférico, primogênito, não podia me dar ao luxo de ter sonhos. Mas fui contra as estatísticas, e eis que Andrea Avancini entrou na minha história para me dar a chance de realizá-los. Ela dava um curso em Botafogo (Rio), que custava R$ 280 por mês, e o salário mínimo era R$ 240. Era o que minha mãe ganhava, e tinha eu e mais dois irmãos. Ou seja, impossível! 

Fiz duas aulas gratuitas e me apaixonei por aquilo. Porém, na terceira, já precisaria pagar o valor total. Fiquei sem graça e não queria revelar o real motivo. Mas ela me chamou em um canto da sala, e eu falei que minha mãe não teria condições e agradeci o carinho comigo durante aquele curto período. Andrea me escutou e falou: "Você é um talento, e seria injusto não trabalhar isso. Vou te dar uma bolsa integral com todos os cursos da casa: teatro, interpretação para a TV, dublagem... Só não pode faltar!". 

Na sequência, ela me deu R$ 100 para poder estudar, mas devolvi e mostrei minha carteirinha de escola. Disse que poderia ir com a camisa do colégio. Além disso, vivia me colocando para fazer testes em novelas, filmes, séries e depois me apresentou ao Sérgio Mattos. Na época, estava na Mega Model Brasil, onde comecei como modelo. Então, o meu muito obrigado, Andrea! Algo que penso nos dias de hoje é: "E se dissesse para eu voltar quando tivesse dinheiro ou me ignorado? Será que seria artista?".

Foto: Reprodução/Instagram
Andrea Avancini, uma das artistas que acreditaram no potencial de Junior Vieira

2. Num país onde muitos talentos pouco conhecidos do público reclamam da falta de oportunidades de bons trabalhos, você está na contramão, envolvido em diversos projetos relevantes. Como avalia sua trajetória?

Sei que estou em um seleto grupo de exceção e tenho conseguido construir algo mais consistente. Passei perrengue, fui motorista de aplicativo, vendedor de loja, já entreguei santinho de político, balancei bandeira nas eleições... Tudo para não parar. Até ajudei alguns amigos a vender água no carnaval!

Ser artista é um chamado. Se acha que vai ser famoso ou influencer, acho melhor procurar outra coisa. Apesar de vinte anos de estrada, prêmios, atuações de destaque e reconhecimento nas ruas, não sou midiático, tanto que perdi um importante papel em uma série de uma plataforma de streaming, porque, segundo eles, não sou tão bombado no Instagram. 

Acredito que começar a produzir, escrever e criar coletivos criativos são formas de se projetar ou, pelo menos, ganhar respeito na área. É isso o que tenho sentido por estar escrevendo, dirigindo e atuando.

3. Estamos vendo, cada vez mais, atores negros em papéis de destaque na TV, streaming, cinema etc. Como observa essa "abertura" do mercado e o que espera para os anos seguintes?

Acho que não fazem mais do que a obrigação! Somos mais de 57% da população, os maiores consumidores, e não nos ver retratados era bem estranho. Só que sinto que, na frente das câmeras, melhorou, mas, por trás, ainda falta muito! Eu sou um dos poucos diretores pretos nos espaços de criação; às vezes, o único numa sala de roteiro com dez pessoas. 

Espero que nos próximos anos haja uma força racial maior de mulheres e homens construindo suas propostas e sua arte, sem que sirvam só para agregar valor ao canal. Precisamos deles, que estão no poder desde que o mundo é mundo. Mas quero ver mais autores, produtores, donos de canais em destaque e desejo que saibam que podemos escrever e criar histórias além das que nos pautam.

4. Como é protagonizar um filme estrangeiro, "O Último Animal'', que fez parte da competição do Festival de Gramado? E quais as expectativas para esse trabalho?

Nossa, na verdade, foi uma feliz notícia, pois eu tinha um bom papel, mas me tornei o principal durante a montagem mais extensa por causa da pandemia. Leonel sentiu a necessidade de colocar o audiovisual pelo ponto de vista do meu personagem, Didi, que narra a história sobre o poder e a queda do jogo do bicho. 

Fiquei bem satisfeito com o resultado. Acho-o necessário, forte, e acredito que será a primeira vez que veremos esse tema ser retratado como protagonista em um longa-metragem.

Foto: Roney Lucio
Junior Vieira

5. Impossível não comentar sobre a campanha "Quero Ser Feliz", que abriu a Assembleia Geral da ONU em Nova York, foi premiada e gerou o convite da Globo para você criar e dirigir as campanhas do selo Respeito. Como foi ter feito esse projeto? 

"Quero Ser Feliz" é meu carro-chefe. Devo muito a ele, pois o criei, de fato, sem pretensão alguma. Contei com a ajuda de amigos que entraram de forma efetiva, disponibilizando materiais, figurinos, estúdios e seu tempo. Tive a coprodução de produtoras importantes como Multiphocus, Clube Mídia, Lampejo Filmes, Film in e Nalaje Filmes. Quando Marcus Ribeiro, nosso conselheiro, nos disse que ia ser exibido na ONU, não acreditei. 

Ele ganhou proporções  estratosféricas, levando o departamento de responsabilidade social a me convidar junto ao Clube Mídia para que eu dirigisse a série "Negritudes", e essa parceria se estendeu para outros trabalhos, até chegar ao "Negritudes 22", que passou ao vivo no Globoplay em junho. Este também dirigi com Aída Barros e foi coordenado por Felipe Sá, todos negros.

Senti que agora, sim, podemos contar nossas próprias  histórias e dialogar de maneira mais profunda sobre elas. Que surjam novas propostas e que "Quero Ser Feliz" continue a reverberar no mundo!

6. Você dirigiu ao lado do Eduardo Albergaria o filme sobre a vida de Claudinho e Buchecha. Como foi fazer parte desse longa tão aguardado pelos fãs?

Foi uma honra, pois colaborei no roteiro lá atrás, no comecinho desse processo, a convite do próprio Eduardo, que se impactou com o "Quero Ser Feliz". Conversamos e nos vimos algumas vezes. Mas, infelizmente, o governo tinha parado diversos projetos, e, na sequência, veio a pandemia. Quando começaram as filmagens, eu concluía o "Negritudes 22" em São Paulo. 

Cheguei já trabalhando e ganhando frente. Eduardo e Leo Edde me abraçaram e disseram que eu estava no comando com eles para contar essa bela história. Eduardo foi generoso comigo, como amigo, parceiro e professor. Me ouvia, acatava minhas sugestões, conversava abertamente com o elenco para que ocorressem as melhores cenas, fazia planos e até mudanças de locação. 

Dirigi uma diária sozinho, e a todo o momento ele se mantinha ao meu lado, e eu, ao dele, pensando o melhor. Assinar a direção com Eduardo é importante, pois foi a primeira pessoa a me dar uma chance após o "Quero Ser Feliz", e eu quis concluir essa oportunidade com muito amor e entrega, mesmo repleto de trabalhos.

E falar sobre Claudinho e Buchecha é discorrer sobre o jovem de periferia que sonha e acredita ser possível retratar a sua realidade. O filme diz muito sobre o afeto e a falta dele. Temos um belo longa nas mãos, e tomara que emocione os espectadores do mesmo modo como nos emocionou nos sets.

Foto: Roney Lucio
Junior Vieira

7. Seu currículo tem muitos trabalhos no cinema (como ator, diretor e roteirista), mas você fez pouca coisa ainda na TV aberta. Tem vontade de estrear em novelas?

Tenho, sim. Fiz algumas coisas na Globo e na RecordTV, mas também sei que, enquanto não houver diretores, produtores de elenco e autores pretos, vai ser cada vez mais difícil furar essa bolha. Já fiquei quase dez anos sem fazer um teste sequer na Globo. E não é porque eu não queria, é que sempre alegavam que não tinha o meu perfil. Logo eu, negro de pele clara, de 1,73 m, nem baixo, nem alto, nem gordo, nem magro. Então me pergunto: qual seria o padrão?

Mesmo com diversos prêmios e várias participações de destaque em séries e filmes, não me chamavam. Vanessa Veiga foi quem me fez retornar aos testes na Globo, aí passei a ficar entre os mais habilitados. Mas, em quase todos, aproveitavam alguém que já estava na casa há mais tempo. Estou trabalhando bem agora nas três esferas artísticas, e, se aparecer algum papel bom e que tenha profundidade artística, quem sabe, a gente se vê na TV aberta (risos)!

8. Maranhense de São Luiz morando no Rio há anos, o que você já tem de carioca? E do que sente falta de "casa"?

Brinco que sou maranhoca, pois só nasci lá! Tenho uma ligação muito forte com o Maranhão e gostaria de ter meu nome mais falado no estado, além de querer trabalhar no local. Em janeiro, quero levar toda a minha família para visitá-lo. Como nunca viajaram de avião, estou pretendendo dar esse presente para eles. Tomara que consiga e que haja bons projetos para fazer. Vou adorar!

9. Quais seus próximos planos profissionais e pessoais?

Farei um podcast em que interpreto o Lima Barreto. Começarei em setembro mais um longa, no qual farei um homem alforriado, que deve a vida à primeira parteira mulher do Brasil. Em setembro, será lançado "Eike — Tudo ou Nada", sob o comando dos mesmos diretores do trabalho que vou começar a filmar, Andradina Azevedo e Dida Andrade.

Em outubro, vou para Minas para rodar outro filme distópico chamado "O Som do Silêncio", dirigido pelo Luis Gustavo, um jovem promissor. E aguardo a resposta de outros projetos, pois estou, neste momento, desenvolvendo o roteiro, junto a Renê Belmonte, de um longa-metragem que será produzido por Fernando Meirelles.

Foto: Roney Lucio
Junior Vieira

10. Quanto ao próximo governo que vamos eleger neste ano, o que deseja como artista e cidadão?

Além da empatia, espero que trate bem os cidadãos deste país, que proporcione melhores condições sociais, educação, saúde, lazer e oportunidades de trabalho. Até porque, na pandemia, o povo que mais sofreu foi o periférico, que viajava amassado dentro de BRTs lotados, metrôs abarrotados, ônibus caindo aos pedaços, superaglomerados, enquanto pediam distanciamento social, fornecendo um auxílio emergencial de R$150. Um absurdo!

O povo merece respeito e, de fato, necessita de alguém que o represente e faça algo pela população. Precisamos também de mais investimento nas artes, que empregam dezenas de profissionais das mais diferentes áreas. Que haja um mundo mais igualitário, com mais qualidade de vida. Isso seria um sonho? Espero que não.