
Mercedes Sosa foi dona de uma das vozes mais marcantes da América Latina. Nasceu em 1935 e completaria 90 anos no dia 09 de julho, data nacional da Argentina, na qual se comemora a independência do país. Mercedes morreu em 04 de outubro de 2009, em Buenos Aires, aos 74 anos de idade. A arte da artista sempre esteve associada às causas progressistas em busca de um mundo mais justo e melhor.
Na esteira das várias homenagens que estão sendo realizadas neste ano à Mercedes, a cantora hondurenho-brasileira Indiana Nomma faz uma excursão pelos palcos brasileiros levando as músicas que consagraram a cantora argentina.
No dia 09 de abril o público paulistano terá a oportunidade de assistir Tributo à Mercedes Sosa - a voz dos sem voz , no Blue Note, às 20 horas, na avenida Paulista.
Aqui reproduzimos uma entrevista que realizamos com Indiana Nomma sobre o espetáculo e o porquê dessa homenagem à Mercedes Sosa.
Início
Você, filha de um casal de brasileiros, nasceu em Honduras, viveu no México, além de Portugal e da antiga Alemanha Oriental. Qual foi a importância dessas experiências para sua cultura e criação musical?
O fato de ser filha de gaúcha com baiano já traz uma mistura cultural inusitada em toda minha raiz. E tendo passado por 30 países e morado nos que você bem citou, se formos pensar que tudo isso foi antes da existência da internet, gerou em mim um olhar expansivo em relação à cultura de tantos diferentes povos e, portanto, uma curiosidade musical e até mesmo uma dificuldade de identificação pessoal focada sobre um só gênero musical. Por isso, por muitos anos quando o mercado musical exigia que os artistas tivessem apenas uma escolha de estilo musical, meu caminho era na contramão defendendo a fórmula multifacetada que hoje tantos artistas seguem. Sinto a necessidade de vivenciar a liberdade de expressão das minhas raízes, desejo esse que foi sempre o norte da minha carreira, transformando tudo em experimentação até que hoje, com 29 anos de carreira, me defino como cantora de jazz e música latino-americana.
Como iniciou a sua paixão pela música de Mercedes de Sosa e qual a importância dela para a música latino-americana?
Mercedes Sosa foi chamada de A VOZ DOS SEM VOZ por defender a democracia e os menos favorecidos da América Latina. Lutava pelo panamericanismo, a união dos povos latino-americanos e por isso, assim como meus pais, foi exilada de seu país. Era 1980, quando minha família, recém-chegada à Nicarágua, testemunhava e participava da Cruzada Nacional de Alfabetização, um feito após a sangrenta guerra civil ocorrida naquele país, que convocava quem soubesse ler e escrever a alfabetizar seus conterrâneos. Minha mãe e meu irmão mais velho, à época com 13 anos, participaram como alfabetizadores voluntários e ficaram por quase um ano fora de casa. Minha mãe no meio da floresta armada com lápis, papel e fuzil para se defender da milícia. Ao final da Cruzada, Mercedes Sosa apresentou um show para os 1,5 milhão de voluntários e eu a assisti aos 4 anos de idade no ombro do meu pai. Isso foi inesquecível e gerou em mim a vontade de ser cantora.
As escolhidas
Quais as músicas de Mercedes Sosa - dentro do "Tributo" - que você destaca e por quê?
Para o público brasileiro, o alcance sobre a obra de Mercedes Sosa foi mais limitado do que nos países latino-americanos de língua hispânica. Mas canções imortais como "Gracias a la vida", "Volver a los 17", "Alfonsina y el mar", "Los hermanos", "Años", "Canción con todos", "Todo cambia" e "Como la cigarra", são pontos altos desse show que apresento há 25 anos. Mesmo as que poucos conhecem como "Si se calla el cantor", que homenageia o chileno Victor Jarra, causa impacto quando contextualizo durante o show sua história. Porém, estou na expectativa de como o público receberá o repertório do novo álbum em homenagem a Mercedes, que lançarei em julho, o Mercedes Sosa: a voz dos sem voz – Volume II . Nele sigo com o cunho político na escolha do repertório.
Você está fazendo esse show por todo o Brasil, com os mais variados públicos. Qual é a receptividade desse público? E como as gerações mais novas recebem a música de Mercedes?
Em geral o público que quer ouvir Mercedes se movimenta lotando as casas por onde passo. Muitos vão sem expectativas e se surpreendem ao final com nossa homenagem se fidelizando ao tributo. Durante os anos de 2018 a 2022 houve uma certa resistência de uma parte do público que não conhece a história de Mercedes (mas que adora suas canções) ao começarem a se dar conta pelo que La Negra lutava em seu repertório. Ao mesmo tempo que muitos jovens aderiram ao conhecer o trabalho dela. Mas é unânime a emoção do público em todos os shows. São 40 minutos chorando e mais 40 celebrando La Negra.

O que representou para você a condecoração recebida da embaixada da Argentina?
Eu já tinha o aval da família da Mercedes desde 2013 quando o neto dela, Augustin Matus me conheceu. Tudo isso foi sempre algo gigante que eu nunca esperei receber. E a comenda do governo argentino foi a maior parceria que eu poderia receber. Ser apoiada oficialmente pela Argentina como representante da Mercedes é algo que ainda me parece um sonho. Mas aumenta a responsabilidade em honrá-la.
O que você acha da música latina atualmente? O que você curte dela?
Riquíssima e pulsante! Se pensar em toda América Latina, acabo me identificando muito com o que ficou nos anos 60 e 70. Amo Silvio Rodríguez e Atahualpa Yupanqui como ouço Tonolec e Ruben Rada, Oscar D’Leon e Rubén Blades.
A América Latina sempre teve grandes cantoras e compositoras. Depois de Mercedes Sosa, há planos para homenagear outras cantoras em seu trabalho?
Tenho o tributo a Mercedes como um projeto de vida. E ela cantou muitas compositoras e a história de mulheres incríveis latino-americanas como Juana Azurduy. Creio que por ela ser a maior voz da América Latina, a única a percorrer mais de 50 países em seu tempo, é possível homenagear a todas através dela. Pelo menos é o que pretendo cada vez mais.
Confira "Gracias a la vida" na voz de Indiana Nomma:
Esta coluna é um espaço destinado à cultura e músicas latinas. Mais informações sobre esses temas você encontra em www.ondalatina.com.br e o Canal Onda Latina: https://www.youtube.com/@canalondalatina