“Você vai se dar mal nesse negócio”, era o que Alex Schiavo ouvia em reuniões na Sony Music enquanto atuava como jurado no programa “Popstars”. O reality musical exibido no SBT ficou conhecido por formar o Rouge em 2002 e, apesar do grande sucesso do grupo na época, a gravadora duvidava da empreitada do então vice-presidente de Marketing da empresa.
“O Rouge veio em um momento de crise, muito difícil. A Sony vinha tendo prejuízo por cinco anos consecutivos no Brasil. As pessoas [da empresa] não viam o programa no SBT [...] Na famosa reunião de marketing, às segundas-feiras, eu tinha que fazer as pessoas verem o reality, porque nem elas viam, ninguém acreditava. As pessoas me olhavam como morto”, afirma o profissional ao iG Gente, na segunda matéria da série “Além do que se vê: o que os holofotes não revelam” .
A salvação chamada ‘Ragatanga’
Ainda que existisse a dificuldade para mostrar a potência do projeto dentro da Sony Music, Alex relata que a visão sobre o grupo mudou quando “o negócio estourou”. “O ‘Ragatanga’ salvou [a empresa] e fez o Rouge vender um milhão de cópias, o que naquela época ninguém vendia, em um período de cinco meses. Era muito excitante ver isso”, diz.
Schiavo explica que a gravadora tinha funções específicas durante o “estouro” do Rouge, como auxiliar nos aspectos artísticos e criativos dos lançamentos e na distribuição das músicas. No entanto, ele admite que existia uma “equação muito complicada” na hierarquia do grupo em relação às outras empresas envolvidas na formação, que contava com Aline Wirley, Fantine Thó, Karin Hils, Li Martins e Lu Andrade.
“Era realmente uma equação muito complicada, porque a Sony era uma licenciada para distribuição da música, mas não era detentora [...] O formato do programa [‘Popstars’] pertencia a uma empresa australiana, foi comprado por uma produtora argentina [RGB Entertainment] e licenciado para o SBT. Então já eram três investidores [...] Você tinha esse ecossistema de pessoas que tinham que ser remuneradas e as meninas [do Rouge]”, explica.
O grupo chegou ao fim em 2006, diante de rumores de baixos salários, quantidades excessivas de shows e brigas entre as integrantes. Desde então, as artistas já falaram da remuneração em meio ao sucesso da época. Karin Hils, por exemplo, contou ao “Luciana By Night”, em 2019, que elas recebiam R$ 700 enquanto lotavam estádios pelo Brasil.
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Já em 2021 Lu Andrade pontuou que as integrantes estavam cientes que não recebiam o equivalente a quanto vendiam. “Me lembro que a gente não ganhava o quanto a gente vendia, porque a gente assinou um contrato que dizia que porcentagem ‘X’ seria nossa e a porcentagem muito maior seria de várias empresas envolvidas”, contou ao canal do YouTuber Anderson Vieira.
‘Demonização das gravadoras’
Alex reforça que “tudo era muito às claras no contrato” entre as empresas envolvidas no Rouge, mas recorda que tentou auxiliar na melhor remuneração das cantoras enquanto ocupou o cargo de liderança na Sony. “Cheguei a tentar participar de uma certa forma para tentar remunerar melhor [...] e depois a gente viu essa demanda das meninas [...]. Mas existia muito investimento e muitos investidores para pagar dentro dessa cadeia”, avalia.
“Mas não era uma decisão nossa, da Sony, como licenciada naquela época. Na verdade, o principal detentor daquilo era a empresa que licenciou pro SBT”, destaca. Mesmo com a Sony Music não sendo a única responsável nestas questões, o público chegou a criticar a empresa pelas circunstâncias do grupo. Segundo Schiavo, o caso exemplifica como as gravadoras são, muitas vezes, colocadas como vilãs na área.
“Talvez, hoje, com as redes sociais, seja muito mais fácil de explicar. Antes, naquela época, não era fácil ter esse tipo de explicação. E, evidentemente, como um licenciado, você também tem que respeitar quem licenciou”, pondera. O profissional descreve tal movimento como “demonização das gravadoras” e disse foi que o “combateu muito” durante quase 25 anos de atividade na Sony.
Majors X Independentes
Alex Schiavo nota uma diferença na “demonização” ao analisar a mudança do cenário desde o sucesso do Rouge, quando o mercado era dominado pelas majors. O termo é utilizado para se referir a grandes gravadoras musicais, como a Sony Music, que apresentam um modelo mais tradicional com um “contrato 360º” com os talentos, onde “têm direito de tudo ligado ao negócio do artista”.
“A coisa mais interessante e fascinante é que o mercado ampliou muito. Antes estava dominado só pelas majors e, para quem estava nas majors, também era uma coisa que incomodava, porque a gente tinha muito pouco mercado. Se você não tivesse na Sony você ia para Warner ou para Universal. O streaming hoje criou uma série de novas empresas e negócios, todos ligados à música”, observa.
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Schiavo critica como as majors se transformaram no streaming, já que tais empresas “saem tentando agarrar tudo que sai no top mil do Spotify”. Porém, ele reconhece o esforço para tais empresas não se atrelarem a imagem de “vilãs”: “As gravadoras têm se esforçado mais a diminuir esse distanciamento [com os artistas], não ter essa imagem errada de vilã, perdoando dívida de artistas que tinham questões de adiantamentos não recuperáveis, se preocupado com questões sociais e em diminuir o processo de ‘demonização’”.
O profissional compartilha que buscou fazer um “detox do mercado da música” após os anos de trabalho na Sony Music e deu início a uma transição para o modelo independente na Altafonte Brasil, onde atua desde 2017. Ele defende que a empresa tem o papel de ajudar o artista a “navegar no meio da complexidade” do cenário e sinaliza como “sensacional” a possibilidade de trabalhar com artistas independentes, donos do próprio trabalho e dos “masters” das músicas, que geralmente são das gravadoras em majors.
“A gente procura conversar [com os artistas], mas, por mais que seja muito equilibrado e muito transparente o contrato, também é importante o artista entender que está assinando um contrato. Tem investimento e comprometimento dessa empresa. As coisas precisam ser sérias sobre isso, senão também fica um auê [...] O resultado desse trabalho é natural, não somos aficionados por paradas de Spotify ou de venda, porque eu digo se a gente escolher bem os artistas e trabalhar bem os charts, os resultados vão ser uma consequência disso”, reflete.
+ O "AUÊ" é o programa de entretenimento do iG Gente. Com apresentação de Kadu Brandão e comentários da equipe de redação, o programa vai ao ar toda sexta-feira, às 12h, no YouTube, com retransmissão nas redes sociais do portal.