Em outubro de 2000, o Brasil conheceu Luis Sales, de 4 anos. Mesmo antes de ser popularizada a palavra ‘meme’, há 22 anos o paulista fez com que a prática fosse entendida pelos brasileiros.
Luis Sales ganhou fama após participar do "Programa do Silvio Santos", no quadro Topa-Tudo por dinheiro. Se você não o conhece, pode ter certeza que algum familiar se lembra dele: o garotinho fã do grupo Raça Negra.
Na época, ele encantou a plateia e a todos que assistiam ao programa em casa. O motivo da comoção? A inocência de uma criança que trocaria R$ 500 por uma fotografia do Raça Negra.
Divertido, Silvio Santos brincou com a situação. Luis tinha que cantar uma música do Raça Negra para a ‘plantinha’ subir. Acontece que, ao contrário do jovem, a planta não era tão fã da banda, e a cada vez que ele cantava, a plantinha murchava. A brincadeira provocou risos, mas também provocou o choro do menino.
Aos 26 anos, Luis Sales lembra do dia com carinho. Ele reconhece que, desde aquele momento, a vida mudou. Além de Luis, ele também seria conhecido como o menino fã do Raça negra.
“Eu sinto muita gratidão a todo público que compartilha sempre o vídeo, usa o áudio, não deixa o vídeo morrer porque o Brasil está tão cheio de problemas e poder levar um pouquinho da minha inocência e alegria para o povo brasileiro é muito gratificante”, analisa.
O lance inicial, quem deu foi o pai de Luis, que percebeu um fenômeno no filho que ainda não sabia escrever e nem ler, mas sabia todas as músicas do grupo de pagode.
Foi o pai dele quem gravou uma fita e a enviou para o programa de um dos maiores apresentadores do Brasil. Silvio entendeu o potencial da situação e organizou um encontro inédito.
Após recusar R$ 500, Luís foi surpreendido com a banda no auditório do SBT. Mas o nome do programa é “Topa-Tudo por Dinheiro”, certo? Pois naquele dia a sorte realmente estava ao lado da criança que, além de ganhar a foto, levou para casa R$ 600.
“Fiquei bastante famoso na época. Não tinha muito a questão da internet, então, os comentários no meu bairro foram muitos, na escola, entre os professores. Todo mundo assistiu”, recorda.
Luis conta que não sofreu bullying e nem comentários maldosos, mas lembra o choque que tomou ao ver o programa de Sônia Abrão utilizando a imagem dele para denunciar que Silvio Santos se aproveitava das crianças para ganhar audiência.
“Eu não ganho nada em questão de financeiro, não ganho nada com a imagem, só o reconhecimento mesmo”, alega, afirmando nunca ter processado terceiros pelo uso da imagem.
Presente do passado
Após ficar famoso com a participação, a vida voltou ao normal, Luis deu continuidade nos estudos e, ao chegar na adolescência, resgatou o sonho de infância: a paixão pela música.
“O Raça Negra está desde sempre na minha vida na parte musical. Foi a primeira banda que me interessei, desde criança, e a partir dos 15 anos eu comecei a me interessar pela música de maneira profissional, comecei a tocar na noite”.
A princípio, Luis performava mais pelos gêneros MPB e Rock, mas sempre encaixava uma homenagem para os ídolos. “Eu sempre tocava, nunca deixei de tocar Raça Negra no meu repertório”.
Reencontro
Ao ver que a banda se apresentaria na cidade em que mora, Taubaté (SP), Luis Sales se apressou para comprar ingresso e garantir ao menos uma foto com o ídolo.
“Foi engraçado, estava esperando só tentar tirar uma foto e que ele me reconhecesse. Mas aí o filho dele me reconheceu na plateia, o Rafael Bandeira, e falou: ‘Vem aqui, o meu pai tá aqui, a minha mãe é muito sua fã tira foto com eles’”, relata e completa afirmando ter sido convidado para entrar no camarim da banda.
O encontro com a família do vocalista Luiz Carlos foi muito produtivo, já que ao dizer ser músico, Luis foi convidado para cantar algumas músicas com a banda no palco.
“Até então eu estava fazendo mais show em barzinho, festa particular, nunca tinha enfrentado um palco e foi a primeira vez que me apresentei e já ao lado dele”, celebra.
De ídolo, Luiz Carlos virou amigo de Luis Sales. O músico revela que desde o reencontro nos bastidores, ele se apresentou outras vezes com a banda.
“Hoje em dia, quando tem show aqui por perto da minha cidade, eu sempre estou indo, às vezes [vou] até em São Paulo mesmo, quando concilia a minha agenda com a dele”, explica.
Pelo telefone, Luis mada uma mensagem para os produtores e diz “Tô chegando”. Antes de subir ao palco, ele e Luiz Carlos combinam as músicas que cantarão juntos.
Há quem ache ofensivo ser rotulado como ‘menino fã do Raça Negra’, mas esse não é o caso do Luis. O músico, de 26 anos, se diz orgulhoso pelo título e aproveita para fazer do limão, uma limonada.
“O mundo da música é muito concorrido, não basta só você ter o talento suficiente. Você precisa ter um atrativo, você precisa ter alguma coisa diferente para se destacar. O fato de eu ser o menino fã do Raça Negra e ter essa repercussão grande no Brasil me ajuda bastante em abrir portas para eu mostrar o meu trabalho como cantor”, comenta.
Os anos 2000
Com o avanço da tecnologia, a ascensão da internet e os memes, nem sempre a viralização de um conteúdo é almejado, principalmente quando o assunto é se tornar meme, que naturalmente transforma aquele registro em piada e alivio cômico.
Movimentos espontâneos que acabam bombando na internet, às vezes, podem trazer consequências como bullying e a ridicularização pública para aquela pessoa que está sendo exposta para milhões de internautas.
Felizmente, esse não foi o caso do menino fã do Raça Negra, mas ele percebe que a diferença temporal foi um fator importante para que a memória da participação no programa fosse positiva.
“O Brasil está dividido. Se fosse atualmente, eu creio que haveria problema para ele [Silvio]. Então, eu fico muito feliz por ter sido na época dos anos 2000. O Brasil naquela época, a população, era em outra pegada, as pessoas cresceram com uma mentalidade diferente. É por isso que eu sou grato de ter acontecido naquela época”, finaliza.