Maria Rita
Renato Nascimento
Maria Rita


“A fé não costuma faiá”, ensina Gilberto Gil. Ainda que se discuta o que é, e também os seus caminhos, ela está lá. À espera dos que não a têm, no conforto dos que creem, na ânsia pelas respostas. Em algum momento, a fé falou mais alto a Maria Rita. Há cerca de quatro anos, ela já cantava para e com os orixás sem ainda se dar totalmente conta de que essa busca havia começado antes mesmo de ter pisado num terreiro de candomblé pela primeira vez. Não foi pela dor. Nem por amor.

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“Não tive um momento de ‘nossa, preciso me encontrar’. Não teve essa narrativa. Até brinco que eu estava perdida e ‘eles’ foram me buscar. Mais do que isso, eu tinha uma curiosidade e um profundo respeito pelas religiões de matriz africana, de como o samba faz parte disso e o que eu, uma mulher branca, artista, que canta samba, tinha a ver com tudo isso. Fui estudar e encontrei acolhimento, um lugar, e tudo fez sentido. Eu não sabia o que era a fé. Agora eu sei”, narra a cantora, que acaba de lançar “Desse jeito”, seu novo álbum, que nasceu justamente após o encontro com tudo em que acredita, um louvor à religião que abraçou.

A fé, Maria Rita diz, a colocou de volta no caminho da leveza. Prestes a completar 45 anos no próximo dia 9, a virginiana que planeja sem planejar, chega também aos 20 de carreira. “Imagina, eu nunca pensei nisso lá atrás. Eu só queria cantar! Me bota num palco e me deixa cantar, eu pedia. As coisas foram fluindo, acontecendo. Por mais incrível que pareça, não planejei e deu nisso”, brinca ela, que canta um dia depois do aniversário no Rock in Rio.

“Nisso” são duas décadas de parcerias bem-sucedidas dentro e fora do palco, oito troféus do Grammy Latino, 12 discos de platina e uma vigilância constante para que não transformem a história de sua vida num folhetim barato. Afinal, ser filha de Elis Regina já teve um preço. 

“Teve cantora que começou a carreira imitando a minha mãe e não levou metade da porrada que eu levei! Era um tal de dizer, ‘ah, mas ela imita o jeito de cantar’, ‘ela dança igual’, ‘ela quer ser a nova Elis’. Gente, sou filha dela! E usaram tudo isso contra mim. Até eu entender e dizer: ‘Eu sei quem eu sou, está no meu sangue, no meu RG e ninguém mais vai usar isso para me colocar contra a minha mãe. Sou muito foda!’ Imagina se ela fosse viva, o que não fariam”, analisa. 

Aos 4 anos, quando a mãe morreu, era frequente que fãs de Elis surgissem na frente de Maria Rita chorando, quase que pedindo por um milagre. Nunca foi fácil ser filha de um ícone. E tudo o que ela queria era descobrir a mulher que segurava essa bronca toda.

“Queria saber quem era a minha mãe, o que ela gostava, o que fazia. Amigas dela me contaram que quando nasci minha mãe deixou um cabelo grande ridículo, porque achava que mãe de menina tinha que ter aquele corte (risos). Soube que ela bordava. Eu desejava conhecer e entender quem foi minha mãe para além da artista”, conta: “Eu também não sou a Maria Rita todo o tempo. Ninguém vê, mas estou lá em casa tirando lixo do banheiro, com a unha do pé toda cagada...”. 

Encontrar a mãe em memórias construídas corroborou para que ela encarasse a própria maternidade. Maria Rita é mãe de Antonio, de 18 anos (“Ele teve a ousadia de fazer 18!”), fruto do relacionamento com o cineasta Marcus Baldini, e de Alice, que faz 10 em dezembro, sua filha com Davi Moraes: “Eu morria de medo de ser mãe. Meu médico, obstetra do Antonio, também foi o da minha mãe quando eu nasci. E um dia ele me perguntou como eu estava me sentindo. Apavorada, eu falei. Por mais que tivesse a Flavia (a madrasta, casada com o pai César Camargo Mariano, seu pai), que fizesse essa figura feminina em casa, eu não tinha a minha mãe para trocar. Eu me perguntava se ela também teve medo”. 

O medo deu lugar a um mãe possível dentro de um universo diferente. Em vez de ser a leoa que ruge, é a que acolhe. “Não sou uma mãe que cobra demais, porque não acho justo, já que não tenho uma rotina ortodoxa. Eu espero dos meus filhos que eles sejam incríveis, fortes, generosos. Tenho ainda muito receio de ser mãe de uma menina num país extremamente machista, com leis que não beneficiam a mulher. Eu me sinto muito culpada. De trabalhar demais, ficar com eles de menos. Quando o Antonio foi morar com o pai em São Paulo, experimentei um vazio que foi barra. Na pandemia, eu pegava o carro e ia vê-lo, para aguentar”, justifica.

Ela está surpresa com o status de mãe de um jovem adulto. “Até outro dia, estava ali, moleque, na sala tocando bateria, piano. Agora, só quer saber de pegar onda, quebrou o nariz e nem viu”, conta a cantora, como se narrasse o episódio para a avó do garoto. Alice mora com ela no Rio. Tem lá seus dotes artísticos para a dança e o desenho. Maria Rita observa. Quer deixar a cria livre para trilhar o próprio caminho. Como ela fez.

“Quero criar minha filha para ela ser uma mulher foda e meu filho para ser um homem foda. Diferente, que não sacaneie as mulheres, que seja parceiro delas”, avisa.

Desde que se separou de Davi Moraes, em 2019, a cantora está solteira: “Não me oporia a um relacionamento, um namoro, não. Se chegar, estamos aí (risos). Mas tem que ser parceiro, companheiro, deixar tudo mais calmo. Quando conheci o Davi, eu conheci essa calma, vi que era possível ter uma relação tranquila. Não estou comparando o próximo que vier depois dele, não. Porque as pessoas são difrerentes e cada história é uma história. Estou sem pressa de viver outra agora, mas não estou fechada”. 

Calmaria não é algo que ela experencia e deseja apenas na vida afetiva. Como dito antes, o universo, os orixás, os santos, a música e até a pandemia colocaram Maria Rita numa rota de colisão com o barulho externo e interno que sentia. Passou a fazer letra e melodia com ele. “Na pandemia, eu deixei o silêncio entrar. Eu ia para minha sala, tenho uma luz alaranjada, pegava um livro, uma taça (ou duas ou uma garrafa inteira) de vinho, bebia, fazia crochê... Passei a acordar cedo, preparar o café da manhã para minha filha. Houve uma reconexão. Um despertar. Não é romantizar esse período ruim, não. Mas ficou algo positivo. Abriu um canal pra mim”, descreve ela, que não ousa fazer uma projeção de onde quer estar no futuro: “Estou olhando para a frente, mas com zero ansiedade. Porque eu sei que vou fazer muito. Vou fazer grande. Quando converso com meus santos, digo que não quero ser milionária, ter uma casa de praia, no campo, nada disso. Só quero o que é meu. Descobri uma força e uma fé muito potentes. Sei que vou fazer o que tenho para fazer. Essa certeza está dentro de mim de forma muito leve. Hoje, tenho essa fé”.

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