Renato Góes, de 'Mar do Sertão', expõe preconceitos por ser nordestino

'Conviver com isso sempre foi um problema', comenta o vilão da nova novela das seis

Foto: Reprodução/Globo - 21.08.2022
Renato Góes em 'Mar do Sertão'


Há pouco mais de quatro meses, Renato Góes estava na primeira fase de “Pantanal”, brilhando na pele de José Leôncio, agora interpretado por Marcos Palmeira. Após se despedir do peão, o ator, de 35 anos, rapidamente teve que se distanciar do universo das comitivas, cavalos e fazendas, emagrecer oito quilos e mudar o cabelo para se jogar em outra aventura. A partir desta segunda-feira (22), o pernambucano assume o papel de Tertulinho, o grande vilão da nova novela das seis da Globo, “Mar do sertão”, com um desafio pela frente.

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— Meu último trabalho está muito presente na boca das pessoas. Às vezes eu estou em cena como Tertulinho e alguém passa me chamando de Zé Leôncio (risos).


A nova história se desenrola em Canta Pedra, um lugar que, segundo contam, já foi mar e virou sertão. Filho do coronel Tertúlio (José de Abreu) e de Deodora (Débora Bloch), o personagem de Renato é um mulherengo, que só quer saber de boa vida às custas do pai. Após um período na capital, ele volta à cidade de sua família e se apaixona perdidamente por Candoca, a protagonista defendida pela estreante Isadora Cruz.

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— Tertulinho, na verdade, é um acúmulo de problemas. Ele não é de todo ruim, mas também não tem o coração bom. Ele não segue uma diretriz, uma raiz correta, pensando em atitudes sociais, humanitárias. É um cara supercontraditório. A grande vilania, o maior mal que ele causa para os outros vem de uma bola de neve decorrente da grande paixão que ele tem por Candoca — define o ator, que completa: — Tertulinho é fruto de um pai e uma mãe que o mimaram muito. Deodora guia o lado duvidoso dele. Já Tertúlio dá de tudo para o filho, mesmo ele não sendo o que almejava. Ele é fruto de uma família louca.

Apesar de ser o principal vilão da novela, Tertulinho é meio atrapalhado e não consegue pôr em prática tudo o que imagina.

— Ele tem um lado divertido. É um vilão bem atrapalhado com o que tenta fazer, e, ao mesmo tempo, muito movido pela emoção. Acaba se cegando um pouco. Tertulinho é capaz de matar e morrer por esse amor — analisa Renato, frisando que o personagem não tem habilidade nem para ser mau: — Tudo de ruim que ele tenta fazer não dá certo. Tudo de bom que ele faz ou fala, ele copiou de alguém. O cara é uma grande farsa.

Desprovido de vaidade, o ator diz que sua rotina de dieta, treino e cuidados com a aparência são ditados pelos papéis que interpreta. Para viver Tertulinho, emagreceu oito quilos e pintou o cabelo.

— Ele usa os fios escovados e com luzes. Eu não tenho pente nem escova, e não lembro a última vez em que fui ao salão cortar o cabelo pela minha vontade. Deve ter pelo menos uns seis anos! Quando corto é para um personagem. As gravações acabam, e eu deixo o cabelo e a barba crescerem para ficar à mercê de um próximo — diz ele, que também comenta sobre sua rotina de exercícios: — Faço acompanhamento, exames para ficar tudo em dia. Mas, dependendo do trabalho, eu treino para ganhar ou perder massa. Para esse, eu emagreci bastante, para mudar o corpo que estava de peão. Não tenho nenhum tipo de cuidado e vaidade com a beleza que não seja voltado para o personagem.

Para registrar as lindas paisagens do interior do Nordeste, a equipe de “Mar do sertão” viajou até a região. Amante de fotografia, o ator aproveitou para clicar as belezas com o celular (veja nestas páginas), assim como fez no Pantanal. A “comitiva” da novela das seis passou por Pernambuco, Bahia e Alagoas em 20 dias. Durante o período, Renato acompanhou o dia a dia de Francisco, seu filho com a atriz Thaila Ayala, por videochamadas. Gravando a novela, ele só tem os domingos de folga, que aproveita para curtir a família.

— No meu tempo em casa, procuro ser o mais grudado, mais junto da minha família possível. Eu tento fazer tudo o que posso, que está ao meu alcance. Tanto eu quanto Thaila trabalhamos muito. Mas, em casa, tudo o que a gente faz é cuidar do nosso filho e focar nele. Mas precisamos sair para ganhar a nossa vida, seguir em frente para que possamos educá-lo e proporcioná-lo as melhores condições. Acredito que a gente tem uma relação sadia com isso.

Francisco está apenas com 8 meses, mas Thaila e o marido já conversam muito sobre a educação que pretendem dar ao menino:

— Nós dois passamos por muitas coisas para conquistar o nosso lugar, nosso espaço e o que a gente tem hoje. Já pensamos em como transmitir esses valores para ele, que já vai começar a vida com mais oportunidades, comparado a nós — diz ele, preocupado em não mimar Francisco e acabar transformando-o em um Tertulinho da vida: Por isso queremos fazer com que ele sinta o valor de cada conquista como a gente sentiu.

Uma das conquistas, não só de Renato, mas coletiva, é a representatividade trazida em “Mar do sertão”. A trama tem cerca de 20 atores nordestinos no elenco. O ator celebra:

— Ninguém mais quer ver essa cegueira seletiva, essa acomodação de deixar tudo como está. Já era hora de a teledramaturgia fazer isso. A gente está vendo reflexos de uma batalha de anos, mas ainda existe um caminho muito longo a ser percorrido para mais mudança — opina o ator, relembrando os preconceitos que sofreu ao longo de sua caminhada: — O fato de ser nordestino sempre foi um problema em relação a piadas, brincadeiras... Falam do sotaque, da forma de vestir, brincam com a forma que você chama o nome das coisas. Conviver com isso sempre foi um problema. Até hoje ainda vejo uma forma pejorativa de nos tratarem.

Na carreira artística, o ator enfrentou dificuldades quando começou na profissão. Ele lembra que na época, em 2006, o cinema nordestino vinha numa crescente boa, mas teve que ouvir diversas frases que o chateavam. Além disso, sempre viu a necessidade de ficar atento às produções ligadas ao Nordeste para conseguir fazer parte do elenco.

— Perguntavam de onde eu era, e, quando eu dizia que era pernambucano, tinha uma coisa de “Ah, vão dominar tudo”, “Mais um”, “Vocês estão querendo tomar tudo”. Por muitos anos, tinha que ficar ligado em quais eram as novelas, filmes ou qualquer trabalho que tivesse a temática Nordeste para tentar participar, porque era muito rotulado e só éramos escalados para fazer um trabalho de nordestino. O pior disso é que personagens nordestinos eram muito ocupados por pessoas do Sudeste. A gente ficava numa de ficar implorando para fazer um papel que cabia a nós. E os que cabiam a nós eram interpretados por outros — explica o intérprete de Tertulinho, que avalia o caminho ideal: — O equilíbrio disso é um lugar maravilhoso. Eu mesmo tenho um grande trabalho na minha vida, “Legalize já”, em que faço Marcelo D2. Sou um pernambucano que interpreta um carioca. Isso pode acontecer. É emblemático e forte você colocar um nordestino para interpretar um personagem que seria de outras origens do país. A gente tem que desequilibrar a balança para o lado que sempre foi mais baixo e colocar em alta para que em algum momento a gente consiga a equidade.

Segundo Renato, os diversos “nãos” que recebeu ao longo da vida, e também os que deu, foram importantes para construir a sua trajetória como pessoa e também como artista.

— É muito importante a gente saber que vai ter uma vida inteira de “não”. Mas a gente tem que pensar sempre como queda, fortalecimento e ascensão. Isso na vida do ator é diário. Cada cena que você faz e não curte é um “não”. Eu passei muito tempo com essa necessidade de aprovação, mas acho que, de fato, a gente tem que saber que faz parte. Eu tive a sorte também de ter bastante tempo de batalha antes de as coisas começarem a virar. Isso me ajuda a manter o pé no chão — reflete Renato, que diz conviver com a fama muito bem: — Nada mudou na minha vida. Nunca deixei de ir a nenhum lugar que sempre frequentei por conta de exposição. Eu também tenho muito cuidado com minhas redes sociais, o que faço, o que falo. Valorizo muito mais os personagens que eu interpreto do que a pessoa física, sabe?

O pernambucano se considera sortudo por poder ter contado histórias marcantes e tocar em temas que considera importantes em seus trabalhos. Em “Pantanal”, levantou-se o debate sobre a região, em “Velho Chico” (2016), a questão dos ribeirinhos, da transposição do Rio São Francisco. Já na série “Os dias que eram assim” (2017), o tema foi ditadura militar, e em “Órfãos da terra” (2019), a situação dos refugiados. Politizado, o ator acredita ser necessário, em ano de eleição, os artistas se posicionarem.

— É uma exposição pessoal necessária. Estamos num momento de mudança, todo mundo está cansado. Não só pela arte, pela cultura, mas pelo povo como um todo. Estamos precisando de melhoria pública em todos os setores, uma real atenção. Não essa meninice, essa criancice que a gente tem visto nos últimos anos discutindo poder, colocando questões tão pequenas de formas tão esdrúxulas. Está na hora de falar dos dramas sociais realmente pertinentes e dar uma mudada. Eu espero que a união de todas essas revoltas faça com que a gente não cometa de novo o mesmo erro.

"Mar do sertão"

“O sertão vai virar mar é uma profecia antiga. O nome ‘Mar do sertão’ tem a ver com abundância e tudo aquilo que o sertão tem de bonito, lindo, exuberante. A relação da água com o poder também é muito presente. Na novela, o açude do local, de posse do coronel Tertúlio, representa poder e também se transforma num mar do sertão, porque é o único que tem ali. Inclusive, há uma passagem no início dos primeiros capítulos em que Tertulinho pergunta ao pai por que ele era contra a criação de um novo açude. Ele responde que é porque só quem tem água tem poder”.

O lado mar de Renato

“Eu sou mais do campo, mas tenho uma ligação muito grande com o mar. Sempre morei perto, sempre gostei de viajar. Também amo acompanhar campeonato de surfe. Tive minha fase de surfar na adolescência, ia com amigos para a praia. Sempre tive uma prancha para o momento em que eu fosse retomar o surfe, mas nunca o fiz”.

... e o lado sertão

“Sou pernambucano. Cresci indo para o Agreste, para o sertão pernambucano e o paraibano. Também fiz muitas novelas e filmes ambientados no sertão. Eu também tenho grande apreço por dar voz e bandeira às questões locais. A gente sempre falou sobre a água, mas é para além disso. Quando a gente trata de Nordeste, falamos de todas as necessidades do mercado de trabalho e tudo mais. Eu sempre tive uma ligação muito forte com vida rural, com cavalos... Na trama de “Cordel encantado’’, eu fazia um cara que andava a cavalo melhor do que os outros . Em “Velho Chico” e em “Pantanal” também. Agora vem essa quebra maravilhosa, porque Tertulinho não sabe nada de cavalo, não leva jeito, não gosta, tem medo. Ele não tem identificação mesmo. Já eu moro a minha vida inteira na cidade grande, na capital e tenho uma ligação com cavalo. Monto desde os 2 anos”.

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