Completando 24 anos nesta segunda-feira (18), a cantora Luísa Sonza já sabe como é passar pelo tribunal da internet e ser condenada pelo ódio. Nome pop de destaque na música brasileira, Sonza nasceu em Tuparendi, cidade do Rio Grande do Sul que conta com menos de dez mil habitantes, e, hoje, é acompanhada por mais de 30 milhões de pessoas nas redes sociais.
Diante dos holofotes, Luísa viu a carreira ser colocada em segundo plano devido às polêmicas que envolveram a vida pessoal. Do relacionamento com Whindersson Nunes ao momento em que assumiu ser bissexual, a cantora enfrentou ondas de ódio nas redes sociais e até pessoalmente. Xingada de "p*ta", "vagabunda" e "interesseira", Sonza é atacada e questionada a cada lançamento musical ou até mesmo pelos looks que escolhe para os shows.
A bissexualidade da cantora, por exemplo, é motivo de discussão em alguns grupos na web. Há internautas que acusam Sonza de se aproveitar da pauta LGBTQIA+. Um dos motivos de desconfiança se deve por Sonza ter se assumido depois da fama, considerado tardio pelo grupo de críticos.
Além da sexualidade, Luísa também é alvo de ataques por utilizar a sensualidade como componente do trabalho artístico. Recentemente, a cantora gaúcha foi comparada com Dua Lipa, cantora pop britânica, que ousou em uma apresentação.
A comparação foi o suficiente para internautas questionarem o porquê de Luísa Sonza ser massacrada quando outros artistas são aclamados por referências sexuais nas performances.
Para Carolina Zatorre, antropóloga feminista e diretora da organização EPIC Brasil, Luísa Sonza representa a quebra de expectativa do público que a observa. “A performance dela não corresponde com o que o público ou que os haters esperam da imagem dela, então, é como se ela o tempo todo quebrasse um paradigma imagético na cabeça das pessoas”, aponta.
No Brasil, país marcado pelas questões de raça e gênero, não há como ignorar a estrutura social em que Luísa Sonza está inserida. Sendo assim, a antropóloga chama atenção para as características físicas de Luísa Sonza e os problemas sociais enraizados na estrutura do cotidiano como o machismo.
Da herança colonizadora, em que traços caucasianos são super valorizados, Luísa Sonza configura o modelo ideal de mulher. Na mente dos conservadores, uma mulher branca, magra e loira tem todas as características necessárias para performar o melhor perfil de 'feminilidade'.
Desse perfil, o chamado 'mulher de respeito' ou então 'para casar', se espera algumas atitudes padronizadas, como, por exemplo, evitar escândalos, não chamar atenção e nem ter muitos parceiros afetivos, além de não expor o corpo com decotes e nem fazer comentários sobre sexo.
Do outro lado da moeda, estão as mulheres que não apresentam essas características, sendo elas as mulheres pardas e negras de origem periférica e de baixa classe social.
Para ilustrar a expectativa social sobre essas mulheres, pode-se analisar o carnaval, que tem origem periférica e onde é comum a exposição do corpo das passistas, maioria de mulheres das comunidades das escolas de samba. Essas mulheres, diferentemente de Luísa Sonza, são aclamadas quando usam roupas sensuais e fazem danças ousadas. No imaginário conservador, já é esperado que essas mulheres não performem a 'boa menina', personagem que esperam de uma mulher como Luísa Sonza, branca, loira e magra.
Relacionamentos
Além da expectativa falha, a antropóloga retoma o fim do antigo relacionamento de Sonza com Whindersson Nunes, quando Luísa passou a ser alvo de xingamentos, acusações e ataques.
Luísa e Whindersson se conheceram e logo iniciaram um relacionamento público em 2016. Admirados pela internet, os dois artistas configuravam o casal perfeito. Na época, Luísa já era veterana dos palcos, pois se apresentava desde a infância e na juventude trabalhava com covers, sendo até apelidada de 'rainha dos covers'.
Em 2018, Luísa e Whindersson subiram ao altar e trocaram votos de matrimônio. Com direito a muitas flores, vestido de renda e clima romântico, o casamento foi um sucesso e marcou o mundo das celebridades. No entanto, o casamento terminou em 2020. Na época, Luísa já ousava em apresentações e no estilo artístico. Em meio a divulgação da música 'Flores', com o cantor Vitão, Luísa passou a ser acusada de ter traído Whindersson.
Na mentalidade dos que enxergavam o casamento perfeito, a traição seria o único motivo para o fim do 'romance ideal'. Apontando o contexto atual onde “as manifestações na internet são muito violentas”, a antropóloga levanta o jogo de oposição que gerou ataques a Luísa.
Whindersson Nunes é um humorista que enriqueceu através da influência na web, com mais de 58 milhões de seguidores no Instagram, com grande parte do público composta por homens. Fora o fator gênero, a antropóloga cita as diferenças sociais.
“Ele ocupa um lugar de minoria. Ele é um homem branco, mas ele é uma pessoa do Piauí, no Nordeste, onde teve uma trajetória de vida com muita dificuldade financeira e se tornou uma referência, uma influência digital a partir de um trabalho de stand up [...] tem a ver muito com a narrativa que foi trilhada”, reflete.
Com os ataques ganhando cada vez maiores proporções, Luísa passou a ser massacrada e cravada como adúltera. Enquanto Sonza passava pelo tribunal da web, Whindersson utilizou a situação como gatilho humorístico.
Sem o humorista desmentir ou se pronunciar, os fãs acataram o silêncio como confirmação. Complicando ainda mais o cenário, Luísa Sonza e Vitão, após se aproximarem com a parceria musical, iniciaram um relacionamento amoroso, aumentando os ataques de ódio. A traição foi desmentida pelo comediante somente depois, quando Luísa já tinha sido julgada novamente.
Saúde Mental
De acusações falsas à ameaça de morte, Luísa Sonza viu a vida se tornar uma bomba relógio e precisou cuidar da saúde mental. Em ‘Doce 22’, álbum lançado em 2021, Luísa Sonza faz um desabafo na faixa ‘Intere$$eira’.
“Puta, vagabunda, interesseira/ Eu fazendo meu trabalho/ Escutando só besteira/ Sem talento, sem graça, forçada/ Como é me ver com milhões, dizendo/ Que eu não valia nada?/ Confesso, não é fácil ser braba todo dia/ Tive que aprender a me virar sozinha”, diz o trecho.
Para a psicologa Maria Rafart, a pressão e a onda de ataques de ódio favorecem os distúrbios mentais que se mostram cada vez mais presentes na vida das pessoas públicas.
"Ser um artista em 2022 significa que, além de administrar a carreira e entregar produtos de sucesso, ele precisa também se sujeitar ao microscópio de uma multidão de pessoas, que não deixam passar quase nada."
"Viver na corda bamba entre fazer sucesso, fracassar, agradar o público ou ser cancelado é muito extenuante e pode fazer pagar um preço psicológico muito alto. Um artista pode se sentir extremamente pressionado e este stress pode ocasionar diversos transtornos de humor. Os mais comuns são ansiedade e depressão", analisa.
Em 2019, quando Luísa ainda era casada com o humorista, a cantora revelou ter depressão. "Eu ando tendo que me esforçar mais do que nunca a não desistir de 'ser feliz' e ficar bem... E isso tá me cansando. É uma m***. É uma m*** você querer muito, muito acordar feliz e simplesmente não conseguir", escreveu no Twitter.
No album "Doce 22", Luísa tambem aborda as questões de saúde mental. Na faixa 'Interlude :(', a cantora reflete. "Se é tudo em nome do amor/ Por que mesmo assim você não se sente amada?".
Mudança
Após ser massacrada por apelidos pejorativos, chamada de vulgar e ter o talento questionado, Luísa passou a adotar uma nova postura.
A cantora teve o sucesso relativizado às performances sensuais, críticos passaram a dizer que Sonza só tinha fama pois apelava para decotes e insinuações sexuais em cima do palco.
Revoltada, a cantora mudou a vestimenta que usa nos shows. Do fio dental ao moletom e blusa de mangas compridas, Luísa explicou a motivação em uma entrevista ao PocCast.
“Quando começou a rolar da galera falar que meu show só era bom porque eu mostrava o meu corpo, eu falei: ‘beleza, vou me vestir completamente e vou mostrar que meu show é muito f***, independente disso".
“Modéstia à parte, se tem uma coisa que sei fazer na minha vida é show. Antes de ter carreira solo, fiz 10 anos de banda de casamento e vocal. Eu sei fazer show! Isso é a minha vida antes da Luísa Sonza, antes de eu ir para o pop. Isso começou e eu falei: ‘ah, é? Beleza, então’. Entrei nessa era agora e faço show inteira vestida. Faz uns dois meses pra calar a boca da galera”, explicou Sonza.
A psicologa Maria Rafart analisa a atitude da cantora pop. "Provavelmente, o lugar de controle do ego da artista encontra-se mais exteriorizado: as críticas de que sensualizaria de forma exagerada reverberaram dentro dela, e ela se sentiu no dever de mudar as atitudes sensuais e adotar um estilo mais conservador", analisa.
"O lugar de controle do ego de uma pessoa deve estar preferencialmente protegido: dessa maneira, as opiniões de terceiros, antes de atingi-la, passam por uma espécie de filtro. As críticas de terceiros, por exemplo, passariam por esse filtro antes de atingir a pessoa em cheio", reflete a profissional.
Em uma sociedade em que o machismo tóxico freia as mulheres, a igualdade de expressão está longe de ser observada. Artistas homens falam de sexo tal como Luísa Sonza e não são questionados, pelo contrário, são exaltados e marcam 'hits' com produções sensuais. No Top 20 do Spotify, por exemplo, estão faixas como "Balanço da Rede" (Matheus Fernandes e Xand Avião), "No Ouvidinho" (Felipe Amorim), "Tchuco Nela" (Rogerinho e Wesley Safadão) e "Sentadona", de Luísa Sonza em parceria com David Kneip, Frog e Gabriel do Borel. Todas têm conotação sexual, mas a de Luísa recebe diversas críticas.
"Ao homem são dadas liberdades que para uma mulher são negadas. Exercer a própria sexualidade de forma livre e aberta ainda é considerado tabu para as mulheres", aponta a psicóloga.
Imagem
Isabella Soller, CEO da Soller assessoria, é especialista no gerenciamento de imagem de artistas e influenciadores. A profissional analisa os ataques à Luísa Sonza.
“Polêmicas, términos, sexualidade… São temas que atraem a mídia e geram bastante repercussão aos veículos de comunicação. [O término] pode ter influenciado para construir um personagem sem que seja necessariamente o desejo da Luísa. Creio que para ela, a carreira artística seria o ponto central a ser abordado, mas as pessoas querem consumir muito mais do que isso”, explica.
Do início da carreira aos dias atuais, Luísa Sonza passou por uma mudança brusca de imagem. Anteriormente, vista como uma ‘boa menina’ para, agora, vulgar e promíscua.
No entanto, a profissional chama a atenção para a falta de compreensão do público, que espera por um artista perfeito. “Nós sofremos mudanças de estilo, de personalidade… Todos temos ciclo. Os fãs e as pessoas de forma geral precisam entender que os artistas também são pessoas normais, que passam por mudanças de ciclos e se transformam, amadurecem e se desenvolvem”, aponta.
Sucesso incomoda?
O último lançamento da cantora, a música "Hotel Caro", marca a parceria com o rapper Baco Exu do Blues. Em pouco tempo, a canção atingiu o primeiro lugar do Spotify Brasil como a mais tocada do momento, além de debutar no topo no YouTube.
Que os ataques para Luisa Sonza são expressivos não há como negar, mas seriam frutos do sucesso da cantora pop? Em 2021, Luísa Sonza foi a terceira cantora brasileira mais ouvida no Spotify. Em 2022, a cantora realiza uma turnê nacional passando por todas as regiões do país, algo difícil para a maioria dos artistas. Sonza também reuniu uma multidão de fãs na avenida Paulista durante a parada do orgulho LGBTQIA+. Estima-se que foram ao evento cerca de 4 milhões de pessoas.
Além disso, em seis meses do lançamento de 'Doce 22', o álbum já havia atingido mais de 1 bilhão de streams nas plataformas, algo surpreendente para o cenário musical. E não há espaço para a taxar como 'ex' de alguém, pois com a canção "Melhor Sozinha", que já conta com 57 milhões de visualizações, Luísa deixa cravado seu valor.