Quinta-feira, 30 de junho, 19h. Depois de inúmeras tentativas em cravar dia e hora, a entrevista com Baby do Brasil estava, finalmente, agendada. Mas demorou para o encontro com a cantora se concretizar, e ela surgir na tela do computador com seus cabelos multicoloridos, sorriso radiante e voz inconfundível. Das 19h, passou para as 20h. Na sequência, envolvida com questões de trabalho e ainda sem jantar, remarcou para as 23h. À meia-noite, a conversa começou e fez com que a madrugada parecesse dia.
Durante três horas e meia, Baby falou sobre passado, presente e futuro. Analisou a a sensação de chegar aos 70 anos (ela faz aniversário no dia 18), lembrou de quando um médico disse que não conseguiria engravidar (Baby e Pepeu Gomes têm seis filhos), recordou-se da vida em comunidade com os Novos Baianos e abriu detalhes sobre o casamento com o ex.
A dupla estará no palco, no dia 23, na Bahia (no dia 13 de agosto, eles se apresentam no Vivo Rio), dando início à turnê comemorativa “140 graus” (em referência às sete décadas de ambos). Um dia antes, será lançado o álbum “Baby & Pepeu ao Vivo no Noites Cariocas”, gravado no Morro da Urca, em todas as plataformas de streaming.
Na entrevista, em que Baby orou para que a internet voltasse a funcionar e comemorou o fato de a entrevistadora ser judia (“Que maravilha, o seu Jeová é o meu! Também sou filha de Abraão”), ela narrou a conversão ao Evangelho, descreveu o momento em que viu Deus e Jesus Cristo, frisou que só voltará a transar quando tiver um parceiro aprovado pelo Senhor e discorreu sobre o fantasma do cancelamento. A seguir, os melhores trechos.
Como se sente às vésperas de completar 70 anos?
No dia 18 de julho, lanço a campanha “Não se faz mais 70 anos como antigamente”. Desisti de ser adulta. Estou me sentindo com 12 e com 18, uma coisa tipo assim, uau! Parece que tudo que vivi está ali, como um filme maravilhoso. Sinto-me renovada, em energia e cabeça, e tenho pleno entendimento da minha trajetória no planeta Terra. Estou inundada pela alegria de não ter mágoas nem ressentimentos guardados no peito.
Como se relaciona com o espelho?
Quanto mais idade se tem, mais sábio a gente fica. Quem não percebe isso, deve parar tudo, reiniciar a máquina do pensamento e arrumar um pastor ou um psicanalista legal. Mas é preciso cuidar do equipamento. Nós, que não somos do tempo de Adão e não temos acesso aos nutrientes daquela época, devemos manter o físico. Faço terapia bio-ortomolecular e coloquei o chip da beleza, que controla meus hormônios. Só reponho hormônios bioidênticos. Tomo peptídeos de colágeno, suplementos vitamínicos, faço musculação e danço muito, a menina dança... Já fiz plástica, botox, coloquei silicone. Agora, estou doida para tirar a pelezinha do olho, vamos ver quando vai dar.
Como é sair em turnê com Pepeu?
Um barato. De 50 em 50 anos, tem aquela coisa do jubileu, o tempo da restituição. Estamos vivendo um jubileu. Estar com Pepeu no palco é muita bênção para nós dois, para os nossos seis filhos e três netos. Significa o quanto a gente consegue viver uma amizade espetacular numa maturidade emocional também espetacular, depois de 18 anos de casamento e do tempo de silêncio. O que vivemos foi muito forte.
Vocês integraram os novos baianos, cujo álbum, “acabou chorare”, de 1972, ocupou o primeiro lugar em uma lista dos 100 maiores discos da MPB organizada, em 2007, pela revista Rolling Stone. Quais são as lembranças daquela época?
Tínhamos um propósito de fazer algo que ficasse para sempre. Éramos apaixonados pelos mesmos artistas, João Gilberto, Tom Zé, Caetano, Gil, Jimi Hendrix, Elza Soares. Moramos juntos de 1969 a 1979 e tivemos uma vida em comum. Viramos família, sem a caretice da família. Dividíamos tudo, comida, contas.
Como era a relação com as drogas?
A droga que existia era a maconha. A cocaína veio depois. A única coisa que se fez uso no grupo, mas não de vício, foi a maconha. Bebida, não. Nenhum de nós bebia. Hoje considero a maconha muito perigosa. Tantos amigos que morreram de cocaína, quantas overdoses no mundo... As drogas deixam um lastro forte de morte.
O seu casamento com Pepeu foi monogâmico? Ou, em algum momento, abriram a relação?
Vi muitos casamentos abertos serem desfeitos. Não dá certo. Não tivemos um casamento moderno, foi sempre a dois, durante os 18 anos. Nesse período, nasceram nossos seis filhos. Eu queria ter tido um time de futebol.
Os filhos foram planejados?
Nenhum deles. Aos 17 anos, fui ao ginecologista. Ele me falou que jamais conseguiria ter filhos por que meu útero tinha as alças muito longas. Disse que nem precisava tomar pílula. Pensei: “Quando não tem saída na Terra, no Céu tem”. Chegou o dia em que desejei ser mãe. Estava com 18. Fui para o canto do meu quarto, ajoelhei-me e falei: “Deus, preciso ter filhos, preciso saber como o ser humano é desde o nascimento”. Dois meses depois, estava grávida.
Seu lado espiritual já era aflorado?
Tinha visões desde pequena. Minha tia e avó eram religiosas, e eu gostava de vê-las em oração. Virei uma caçadora de Deus. Cadê, cadê? Está aqui, acolá, fui a vários lugares. Até que um dia, em 1999, pedi a Deus uma revelação. Ele falou que queria uma hora comigo por dia durante um mês, e que eu seria testificada. Três dias depois, estava num aniversário e o meu médico, Eduardo Gomes, ligou e disse: “Baby, meu coração pede que te fale uma coisa, dediquei uma hora por dia a Deus e Ele me revelou tudo”. Eu gritei: “O quê? Falou? Eu creio!”. Conheci, então, o bispo que me batizou e comecei 31 dias de oração. No primeiro dia, fui ao Céu. Vi o Senhor Jesus e o Pai. Falei para Jesus: “Que coisa linda, você tem olho de criança de 4 anos!”. O Pai também estava lá, lindo e forte, como um guerreiro, coberto de nuvens. O rosto era pura luz. Entrei dentro da barriga de Deus e fui gerada de novo. Fiquei 14 anos no gospel e sou “popstora” (mistura de pop com pastora).
O ex-jogador e comentarista Walter Casagrande na sua biografia “Travessia” que o namoro de vocês terminou porque você não faz sexo. Sente falta?
Hoje entendo como o corpo energético é ligado ao mundo espiritual. A energia sexual é poderosa, na hora do orgasmo, os canais se abrem. Se não estiver sob uma aliança, abre-se para tudo que vem. Como sou pastora evangélica, preciso cuidar da minha energia. Não morri para o sexo, mas quero me poupar de ter relações sexuais com quem não for aprovado por Deus.
E vibrador, sex toys?
Nada, nem masturbação. Estou há muitos anos sem transar. Se tiver de ter um relacionamento, desejo que Ele me indique. Para ser “popstora”, tenho de ter controle sobre a minha carne. Preciso estar intensa espiritualmente.
Estamos em ano de eleição presidencial. Já sabe em quem vai votar?
Sei. Mas a declaração só será feita debaixo da mão de Deus. Tenho vergonha de ver pessoas que amo se tornarem agressivas quando descobrem que o candidato do amigo não é o mesmo que o delas. Como diz Mahatma Ghandi, divergência de opinião jamais deve ser motivo para hostilidade. Vejo tanta ira e desrespeito, de todos os lados. A gente não pode dizer o que pensa sob a ameaça de perder as redes sociais. Durante a pandemia, ao falar sobre o remédio que tinha tomado (Ivermectina), escreveram: “Triste fim o seu”. Mas sou amorosa com os haters. Digo: “Você não pode deixar de me amar porque não penso como você”.
Tem medo de ser cancelada?
Não tenho medo das coisas. Quem está comigo é o Pai.
Você se vacinou contra a Covid-19?
Sim, tomei as quatro doses.
O que espera da década que se inicia?
Da minha parte, vou entregar um disco maravilhoso e um show novo, depois desse momento com Pepeu. Quero compor muito, focar nos instrumentos e na minha banda gospel. Um livro está sendo terminado sobre a minha vida até aqui. Nesta década, vou pedir a Deus para segurar um pouquinho o fim do mundo para dar tempo de salvar mais gente. Porém, o apocalipse está às portas. Vou orar o dobro do que já oro.