Cleo Pires
Livia Campos
Cleo Pires

Logo nas primeiras páginas, a multiartista Cleo deixa bem claro o assunto de "Todo mundo que amei já me fez chorar", seu primeiro livro de ficção: “Gostaria de agradecer a todas as pessoas inesperadas que cruzaram meu caminho e me surpreenderam com seu colo (...) quando estava intoxicada e machucada por pessoas que não sabem amar (não foram poucas vezes)".

O assunto é relacionamento tóxico e os vários tipos de abusos (físico, psicológico, moral) gerados por eles. A multiartista, que já havia usado suas redes sociais para falar sobre experiências do tipo (dela e de outras), contou agora com a ajuda da roteirista Tatiana Maciel, co-autora da obra, para transformá-las em contos. Embora as personagens e situações sejam ficcionais, são de alguma forma inspiradas por relatos de outras pessoas. E também ecoam vivências e sentimentos das próprias autoras.

- Os contos são sobre relações tóxicas que acabam tendo espaço para serem abusivas - diz Cleo. - Em todos elas, eu me vi ou vi em alguém muito próximo. O livro foi um processo de cura. Mas dolorido também. Porque você acaba revivendo coisas que achava que estavam resolvidas e acaba sofrendo mais um pouco com o que havia sofrido lá atrás.

Indagada se já esteve em algum relacionamento abusivo sem perceber, como as personagens do livro, a atriz, cantora, produtora e agora escritora solta uma risada:

- A vida inteira!

O processo de escrita a quatro mãos foi todo assim, entre lágrimas e risos, já que a abordagem era tratar o tema de forma "acolhedora e leve".

- Eu chorei mesmo, mas ri muito também, porque sabemos rir de nós mesmas - diz Tatiana Maciel.

O livro tem prefácio assinado por Djamila Ribeiro, autora de "O pequeno manual antirracista", e deve se desdobrar futuramente uma música e um videoclipe. Nos contos, Cleo e Tatiana Maciel não chegam a tratar de casos de violência física extrema. Entre os conflitos que as personagens precisam lidar, estão os joguinhos de amor, os interesses não-correspondidos, as tensões com pais autoritários e colegas de trabalho traiçoeiros.

Há situações, porém, que reavivaram feridas. As autoras dão alguns exemplos, como as dinâmicas abusivas dentro de uma família, as cobranças em relação ao corpo e ao comportamento. E há também aquelas pequenas violências do cotidiano: bater porta, chutar objetos, falar alto...

A questão do corpo, mais especificamente, é algo familiar a Cleo, que desde muito jovem foi tratada como símbolo sexual.

- Sempre consegui deixar as coisas superficiais no lugar delas - conta a multiartista, que se diz muito mais uma admiradora e aliada do feminismo do que uma porta-voz do movimento. - Mas quando vi que (ser ícone de beleza) atingia diversas camadas da minha existência, não só ficou mais divertido isso como acabou me trazendo para lugares onde eu sentia que precisava quebrar esses rótulos. Acho delícia ser considerada sexy, mas não quando isso te limita.

A própria parceria das duas mulheres se desenvolveu dentro de um princípio de sororidade. Fazia tempo que Cleo queria escrever um livro, mas se sentia (e ainda se sente) bloqueada, já que acredita se expressar melhor em forma de música. Ela recorreu então a Maciel, uma autora que, nas palavras da multiartista, soube "entrar na minha alma e tirar o que saí dali". Cleo mandava áudios que eram desenvolvidos em texto pela parceira.

- Foi mágico, de virarmos irmãs tendo se visto umas três vezes por zoom - lembra Maciel. - A empatia foi completa, uma troca de muita confiança. (A união das mulheres) é uma questão de sobrevivência. Se não nos damos as mãos, não sobrevivemos.

Tanto Cleo quanto Maciel contam já ter recebido mensagens defensivas de ex-namorados achando que as histórias sobre abuso eram indiretas a eles.

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- Não de forma explícita, mas veladamente - diz Cleo. - Já sofri questionamentos de certas pessoas que estavam incomodadas com a forma como estava falando das coisas da minha vida.

Maciel complementa:

- Até eu, que não sou famosa como a Cleo, já recebi mensagem de ex perguntando se estava no livro ou não!

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