Toda sorridente, Eli Ferreira iluminou ainda mais um ensaio de moda que reúne inspirações de como usar looks mostarda e açafrão, cores tendência para deixar o outono bem mais solar. Fora a simpatia da dona de um vozeirão, a alegria tinha outro motivo: a atriz estava entre amigos.
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"Desde que comecei a modelar, com 16 anos, nunca foi comum um set em que a maioria, ou boa parte, era formada por profissionais negros. Quando eu falo sobre representatividade, penso que é importante ter atrizes e cantoras renomadas, mas também ter profissionais por trás das câmeras. E, quando eu chego e vejo a galera preta em movimento, isso me energiza à beça", disse a atriz de " Órfãos da Terra ", de 28 anos.
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Para inspirá-la ainda mais, a principal escolheu como cenário o Muhcab (Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira), no Centro do Rio. Por lá, cada sala recebe o nome de uma grande personalidade negra. Nessas páginas, estão os locais que homenageiam Ruth de Souza, Léa Garcia, Tia Ciata e Lélia Gonzalez.
Com o tempo, saber quem veio antes ajudou Eli Ferreira a ampliar sua reflexão sobre negritude e a influenciou até mesmo no próprio visual. Abandonou os produtos químicos para alisamento de cabelo, que usou por mais de 15 anos, encarou a transição capilar e, há um ano, tem usado e abusado das longas tranças.
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"A gente acha feio aquilo que não temos exemplo. Minha mãe alisa o cabelo desde pequena, eu fazia o mesmo. De uns tempos para cá, comecei a prestar mais atenção, e tenho tido esse momento de querer me identificar mais com as minhas origens", disse
"O meu cabelo é o 4C na escala de tipos de cachos, e há alguns anos nem existia produtos disponíveis no mercado nacional para cuidar dele ao natural. Hoje, já temos tudo ao nosso alcance. Olha como é importante! Isso estimula", celebra a atriz , afirmando que seu visual a ajudou a compor sua personagem no filme “Eduardo e Mônica” e a Marie de “Órfãos da terra”.
E, falando em novela, a congolesa da trama das seis vai carregar semelhanças com sua intérprete além do cabelo. Nos próximos capítulos, Marie vai se aproximar ainda mais de Bruno (Rodrigo Simas), e eles terão cenas que abordam vivências de um casal inter-racial.
"Marie já tinha um olhar de amizade para Bruno, mas isso muda por estar vivendo uma desilusão amorosa. Ela se encanta por este homem ao vê-lo acolhendo o seu filho. Vai ser um amor de descobertas" diz Eli, que está solteira há um mês.
"Dos três namorados que tive, o último era branco. Nunca foi um problema para nós, mas eu sentia um olhar de questionamento das pessoas. Ao mesmo tempo, mulheres negras escutam algo muito racista: que casar com homem branco é melhor para clarear a família. E, no início da minha relação, eu sofria porque, por mais que eu soubesse que não era nada disso que eu sentia, era como se eu estivesse cumprindo o que ouvi da sociedade desde pequena e tinha que me explicar o tempo todo".
O motivo do término do namoro não foi revelado, mas todas essas questões, ligadas ao racismo estrutural, ainda martelam a cabeça da atriz. "Nunca sofri preconceito de me apontarem o dedo, mas sempre rolaram essas sutilezas, tudo de forma velada. Desde criança, a gente já aprende que tem que andar mais arrumado, falar do “jeito correto”.
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E nesses casos de relacionamento, por exemplo, quando estava com meu último namorado em restaurante chique, sempre achavam que ele estava pagando tudo, quando na verdade a conta era rachada (risos)" desabafa: "Nessa minha vida de 28 anos, eu ando pensando muito, ainda mais com tudo que a gente passa, quando se é mais pobre, mais retinto e com menos acesso à cultura. Acho que eu nunca vou estar pronta, com todas essas reflexões resolvidas. Ainda há um longo processo", finalizou a atriz de " Órfãos da Terra "