A cantora Aline Wirley, de 41 anos, vem sendo constantemente chamada pelos aliados do "BBB 23" de "Mammy". Alguns adeptos do apelido para a artista não estão mais no jogo, como Fred Bruno e MC Guimê. Integrantes do mesmo grupo, Larissa Santos, Amanda Meirelles e Bruna Griphao também adotaram o termo para se referir a Aline Wirley.
Na segunda-feira (27), durante a dinâmica do jogo da discórdia, o participante Cezar Black escolheu a placa de menos importante para Aline. Como justificativa, o brother apontou que o peso da responsabilidade em ser chamada de 'mammy' atrapalhou o jogo da cantora.
Mas o que um apelido dito "carinhoso" pode estar escondendo nas entrelinhas? O termo tem como raiz os estados sulistas dos Estados Unidos, onde a escravidão de pessoas negras esteve presente até meados de 1865. Assim como a escravidão brasileira, o estado norte-americano não promoveu a inclusão dos antigos escravizados, sendo assim, muitos permaneceram nas terras dos antigos senhores. É neste contexto que a figura da Mammy ganha destaque.
Ama de leite, figura materna que abdica de si mesma para criar os filhos dos senhores brancos, cozinheira, doméstica, conselheira, leal e "quase da família". A mammy é tudo, menos humanizada, enxergada e respeitada com um ser de vontades individuais. A mammy é um objeto auxiliar da família branca.
Ao longo dos anos na cultura cinematográfica, a mammy vem sendo um esteriótipo racista que perpetua o pensamento escravocata.
Em 1940, a atriz Hattie McDaniel se tornou a primeira mulher negra a levar uma estatueta do Oscar. O prêmio foi conquistado através da participação em "...E o vento levou" (1939). No filme de Victor Fleming, Hattie McDaniel interpreta uma personagem escrava, teimosa, que faz de tudo pelo bem-estar da amada Scarlett O'Hara (Vivien Leigh). A personagem não tem um nome, ela é a todo momento referenciada com 'Mammy'.
A raiz do esteriótipo já ultrapassa mais de um século, mas é possível observar a manutenção e atualização da mammy. Em 1952, Hattie McDaniel morreu, registrando no currículo mais de 50 papéis e uma estatueta do Oscar. Hattie McDaniel nunca interpretou uma personagem que não fizesse parte do esteriótipo de doméstica, cuidadora e ama de famílias brancas.
No Brasil, o cenário não é diferente, principalmente em novelas: atrizes negras estão sempre em posição de subserviência, como domésticas, faxineiras e cozinheiras. Sheron Menezzes, por exemplo, comemorou a primeira protagonista de novela em 2023, após 20 anos de carreira.
Aline no 'BBB 23'
Não se sabe como surgiu o apelido 'Mammy' para Aline Wirley, mas é possível refletir a lógica por trás desse comportamento.
Aline Wirley é de fato uma mãe, mas para Antônio, de 8 anos, fruto do relacionamento com o ator Igor Rickli. Antônio ainda é criança e obviamente não está confinado no reality.
Um dos maiores utilizadores do termo, Fred Desimpedidos tem 33 anos e também é pai. Apenas oito anos separam Aline de Fred, mas a associação parental apenas foi imposta a ela pelo participante já eliminado.
Com idade mais aproximada, Domitila Barros tem 38 anos e nunca chegou perto de ser classificada como 'Mammy' pelos colegas de elenco. Por outro lado, Domitila já foi classificada como arrogante, prepotente e raivosa . Outro esteriótipo utilizado para mulheres negras.
Bruna Griphao e Larissa Santos compartilham a mesma idade, 24 anos, e, mesmo assim, ambas já são adultas e só seriam filhas de Aline se a cantora as tivesse com 17 anos, ainda na adolescência.
Para a roteirista e pesquisadora sobre negritude no audiovisual Carissa Vieira, o esteriótipo da Mammy enfatiza aquela mulher negra que tem sempre um sorriso no rosto para lidar com os brancos e anula a própria vida para cuidar deles. "Ela é sempre colocada em um papel de subserviência. Suas vontades, seus desejos não existem. Ela só existe para cuidar dos outros".
"No caso do BBB, vejo que Aline está na posição de cuidadora das moças brancas que estão no quarto deserto. Ela é vista como essa cuidadora das outras moças. Ela acaba em uma posição de servidão e excesso de cuidado com relação às moças brancas. E, no fim, o que é sobre ela?", complementa com a reflexão.
Aline Wirley transita entre o fogo cruzado. De um lado, o quarto Deserto, e do outro, o Fundo do Mar. Aline também transita em como se sente em relação à própria vivência na casa.
Em simultâneo, quando bate no peito e assume a posição de 'mammy' para as meninas do Deserto, Aline encontra momentos de refúgio para desabafar com outros participantes negros da edição.A cantora procurou Sarah Aline para conversar após presenciar Bruna Griphao ironizando uma questão racial abordada por Domitila Barros.
Em conversa no "BBB 23", Sarah confortou a ex-integrante do grupo Rouge: "Eu sei, tá difícil... eu não sei o que pensar". "Meu Deus do céu", suspira Aline, caindo no choro logo depois.
Na internet, porém, muitos telespectadores simplificam o uso do termo "mammy" como uma questão de carinho para Aline. "Mammy é uma figura importante, afinal", é o argumento dos que defendem o termo.
"Existe uma relação de carinho, mas será que se Aline discordasse das outras moças, o carinho ainda seria o mesmo? Será que Aline seria priorizada? Pessoas brancas estão acostumadas a ser prioridade. E estão acostumadas com pessoas pretas cuidando delas. A linha que separa uma verdadeira relação de carinho está aí. A relação não pode ser desigual, a pessoa preta não pode ser uma cuidadora, sem esse cuidado retornar", aponta a pesquisadora Carissa Vieira.