Escritas há mais de 20 anos, as palavras do escritor português José Luis Peixoto sobre a morte de seu pai comoveram 250 milhões de chineses, ao serem lidas em um programa do horário nobre da TV do país por um jovem que acabara de perder o pai. A repercussão do vídeo rendeu ao escritor, vencedor do prêmio Oceanos de 2016, um convite para a primeira publicação do livro “Morreste-me” em mandarim.
Lançado de forma independente em 2000, “Morreste-me” foi a obra que revelou José Luis Peixoto, um escritor nascido na pequena Galveias, cidade de mil habitantes no interior de Portugal. Escrito, em sua maior parte, à mão, o livro narra o luto do autor pela morte de seu pai. No Brasil, foi publicado em 2015 pela Dublinense (R$ 36,90).
A pujança do texto do português acabou cruzando o planeta e chegando à China, através de uma tradução feita pela Universidade de Macau e publicada numa revista literária. Graças a ela, o jovem He Shuai pôde homenagear seu próprio pai, vítima de um câncer de pulmão, no programa “O leitor” — que consiste na leitura de textos literários por personalidades chinesas e anônimos com histórias marcantes. Segundo as estimativas da CCTV, canal onde a atração é transmitida, a leitura emocionada de “Morreste-me” por Shuai alcançou 250 milhões de pessoas.
“Chora chove brilho alvura sobre mim. E oiço o eco da tua voz, da tua voz que nunca mais poderei ouvir. A tua voz calada para sempre. E, como se adormecesses, vejo-te fechar as pálpebras sobre os olhos que nunca mais abrirás. Os teus olhos fechados para sempre. E, de uma vez, deixas de respirar. Para sempre. Para nunca mais. Pai. Tudo o que te sobreviveu me agride. Pai. Nunca esquecerei”, diz um trecho do livro.
O episódio foi ao ar em outubro, quatro meses depois da morte de He Ming, pai de Shuai, aos 57 anos. Diagnosticado com a doença em 2016, Ming se desafiou a correr 100 maratonas antes de morrer. Teria, então, apenas três meses de vida segundo seus médicos. Ao longo dos quatro anos em que conviveu com o câncer, Ming conseguiu cumprir 61 maratonas. Após a perda do pai, o filho tomou para si a missão de completar as restantes.
Em sua conta no Facebook, Peixoto dividiu a emoção que sentiu ao saber da leitura de Shuai. “Neste momento, não posso deixar de recordar o meu pai, que muitas vezes me levava às corridas em que eu participava em criança, em adolescente. Ou, também esse pequeno livro, dedicado à sua memória e escrito com a mágoa do seu desaparecimento, publicado em edição de autor e que, agora, foi lido em chinês para milhões de pessoas da forma que se vê neste vídeo”, escreveu o escritor no início de novembro.
Por conta da repercussão, a editora chinesa Foreign Language Teaching and Research Press decidiu publicar “Morreste-me” em mandarim. O grupo já trabalhava na tradução de “Galveias”, romance do escritor português que lhe rendeu o Prêmio Oceanos em 2016, cuja publicação na China está prevista para este ano. Por aqui, o livro saiu pela Companhia das Letras (R$ 38,90).
Além disso, Peixoto foi convidado a gravar uma mensagem para Shuai no especial de fim de ano de “O leitor”. O programa foi ao ar na última semana de dezembro.
“Em janeiro, passam vinte e seis anos sobre o dia em que perdi o meu pai. Ao longo deste tempo, essa dor permitiu-me comunicar com gente tão distante como He Shuai. Sou um privilegiado. Pessoas que amo e que me amam/amaram, como o meu pai, deram esta luz à minha vida. É imensa e guia-me”, publicou o escritor no Facebook.