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Exposição, pressão e fama precoce: lugar de criança é em reality show?

Ex-participantes do 'The Voice Kids' e 'Masterchef Júnior' contam os desafios de estar em uma competição, em rede nacional, tão pequenos

Foto: Reprodução/ Globo/ Divulgação/ Band
Luiza Gattai e Lorenzo Ravioli participaram de realities shows quando crianças

Realities com elencos infantis costumam impressionar o público. Além do excesso de fofura das crianças, os telespectadores ficam desacreditados com os talentos delas. Dois desses programas fizeram sucesso no Brasil: "O The Voice Kids", que chegou a ter 8 temporadas na Globo, e o "Masterchef" que terminou na 2ª na Band. Mesmo que os realities tragam visibilidade para as crianças e impulsionem as carreiras, eles não deixam de colocar os pequenos em situações de risco.

Mariana Chazanas, psicopedagoga e autora do livro "Amor ou Coisa Assim", lista algumas consequências negativas que podem atingir os pequenos, como a exposição e fama precoce na TV e internet, assédio, traumas psicológicos e até comprometimento com os estudos.

Luiza Gattai, cantora e atriz, que participou do "The Voice Kids 2", conta que nunca se incomodou com a fama e que encara o reality como algo que lhe deu a visibilidade que queria. Já Lorenzo Ravioli, campeão do Materchef Júnior 1, explica que não queria ser famoso.

"Eu nunca tive a vontade de ser famoso. Claro que é super legal quando as pessoas te reconhecem, mas eu nunca tive essa vontade. Nunca gostei muito da exposição. Mas aprendi a lidar com ela porque faz parte. Para as pessoas te conhecerem e conhecerem o seu trabalho, você tem que se conectar com elas", disse o ex-participante, que entrou no reality aos 13 anos e agora está com 21.

Ele conta que ficava incomodado com as "conclusões precipitadas" que as pessoas tiram sobre ele, como famoso, e com os comentários que recebeu, quando criança, devido à exposição na competição de culinária. "Quem assiste um reality tem o direito de amar uma pessoa ou, então, xingar muito bem ela, sem conhecer.  Nunca passei nada muito ruim. Claro que já teve gente me xingando no Instagram porque gostava de outro participante, que me achava isso, aquilo, mas eu tinha uma cabeça boa e não me deixava impactar", desabafa.

Chazanas afirma que ser alvo de tais comentários pode deixar traumas nas crianças: "Se ela [criança] for ver os comentários na internet pode ficar traumatizada porque o pessoal, muitas vezes, perde o senso de que está vendo uma criança real. Acho que a pessoa começa a achar que é um personagem que ela está assistindo. Então, tem comentários muito cruéis".

Assédio

A psicopedagoga também destaca que muitos desses comentários podem se tornar assédio e pedofilia. Esse foi o caso de Valentina Schulz, que assim que estreou no Materchef Júnior, teve o perfil do Instagram bombardeado por mensagens de homens mais velhos. Eles elogiavam o corpo da menina, de apenas 12 anos, e até ameaçavam a segurança dela, ao dizer que a sequestrariam.

A especialista conta que, nesses casos, os pais podem até denunciar e processar os criminosos, mas a criança já vai estar numa posição de vulnerabilidade e começar a se sentir insegura.

Foto: Reprodução
Valentina Schulz já falou sobre o assédio sofrido no Masterchef no canal dela no YouTube


Sensação de derrota e pressão da competição

Em ambos realities, não é difícil achar cenas de crianças chorando em episódios de eliminação. Tanto no "The Voice Kids" como no "Masterchef Júnior", elas são eliminadas uma a uma até restar um vencedor.

Chazanas, então, cita que uma competição, ao nível nacional, pode estressar os pequenos e até impactar a autoestima da criança, que está em construção. "É uma exposição pública, você está sendo derrotado em público, você não conseguiu fazer algo que tinha muita expectativa. Então, você não atinge a sua expectativa, a dos pais e dos amiguinhos", diz ela.

Lorenzo revela que também já se sentiu pressionado no Masterchef: "Toda a atmosfera do programa contribui para que você se sinta em uma situação diferente. Em alguns momentos eu ficava pressionado, ficava receoso".

Mas isso não o atrapalhava tanto, na época, já que ele estava lá para "curtir" o programa e brincar. "Se eu tivesse a cabeça de hoje, se eu soubesse de todas as mudanças que aconteceriam na minha vida com o programa, da oportunidade que eu teria, provavelmente, eu ficaria nervoso... Seria completamente diferente. Eu participei como uma criança mesmo, como se fosse uma brincadeira, não tinha noção do tamanho da repercussão do programa", assume ele.

Gattai, que participou de "The Voice Kids" com 8 anos e agora tem 15, também conta que encarava o programa como uma brincadeira, o que a ajudava a superar os momentos tensos da competição. Mas isso não acontecia com todos os participantes. "Depende muito de pessoa para pessoa. Tinha criança que ficava muito mal, que ficava triste de ter que sair do programa, outras que encaravam bem. Falando por mim, eu não chorei, sou uma pessoa relativamente bem resolvida, então, quando eu saí do programa, eu falei: 'Acontece, tem gente que vai para frente e às vezes você sai, é eliminado, faz parte da vida'".

Apoio dos pais e psicólogos

A artista, que interpretou Carminha FruFru em "A Turma da Mônica - Série", destaca o apoio dos pais durante a competição musical. "Meus pais sempre me deram muita estabilidade emocional e isso me ajudou muito", diz ela.

Gattai também pontua que os pais nunca a pressionaram para ser artista ou famosa: "Eu não sei como é passar por essa pressão porque meus pais sempre foram muito tranquilos. Eles respeitam que eu quero ter essa vida profissional, desde cedo".

Lorenzo conta que também teve o apoio dos pais desde cedo e que foram eles que o introduziram à culinária. "O apoio dos pais, das pessoas próximas, sempre é muito importante porque não é uma situação fácil, não é uma situação que toda a criança de 13 anos passa", afirma.

Chazanas concorda com os ex-participantes e ressalta a importância dos pais criarem uma ambiente acolhedor, sem projetar expectativas nos filhos, e escutá-los. "Eles precisam assegurar que essa criança quer estar ali e que não estão pelos pais. Os responsáveis também tem que saber se ela está lidando bem com essa competição".

Além disso, os pais devem garantir que a criança quer ser famosa e conheça, pelo menos em algum grau, as consequências disso, segundo a psicopedagoga. "Às vezes a criança, ela tem aquela habilidade, ela canta bem, ela é desenvolta, mas ela é tímida, não quer aparecer na frente de todo mundo. Aquilo vai virar um trabalho, vai virar um trabalho, uma coisa assim sofrida para ela fazer", diz a especialista.

Chazanas afirma que um apoio psicológico é essencial, já que as crianças poderão passar por momentos de estresse e conflitos. "Quando a criança está ali, o plano é ser o negócio mais legal do mundo, mas é possível que não seja muito tranquilo, que gere uma ansiedade e pressão. Essa situação [reality de competição] é feita para ter pressão, uma história de conflito. Então, para garantir que a criança não se perca, nem que ela fique muito tensa, muito estressada, nem que comece a ver as outras crianças como inimigos, é preciso de um acompanhamento. A competição pode ser saudável, desde que ela não vire uma guerra. Nessas situações os pais pessoa é têm a boa vontade de ajudar, mas eles não têm o conhecimento técnico necessário".

Gattai conta que o "The Voice Kids" oferecia atendimento psicológico para as crianças, principalmente em dias de eliminação. Os profissionais tentavam acolher e entender os sentimentos dos pequenos que eram eliminados. O mesmo acontecia no "Masterchef Júnior".

Brincar e estudar

Luiza Gattai e Lorenzo Ravioli entraram nos realities por vontade própria e encaravam a experiência como uma grande brincadeira. Eles contam que, como as gravações dos programas duravam cerca de um mês, não sentiram que perderam momentos importantes da infância.

Chazanas, no entanto, pontua: "Eles podem estar dizendo que sentiram falta desses momentos porque não o tiveram. Ninguém conhece a vida que não teve".

Ela, então, afirma que trabalho precoce pode atrapalhar esse momento lúdico da infância e ressalta: A parte lúdica é essencial porque é a partir dali que tudo começa a acontecer primeiro. Além da parte alegre da diversão, mas é ali que ela aprende, que ela se desenvolve cognitiva e socialmente".

Chazanas completa: "Se uma das crianças é uma estrela e ela está lá na escola, como que os outros colegas enxergam? É importante que a brincadeira seja de igual para igual, que essa criança não seja respeitada como se estivesse em outro nível. É importante que ela seja igual a todas as crianças, até porque aí que a gente aprende a conversar, é aí que a gente aprende já negociar e aí que a gente aprende a lidar com a frustração".

Na parte dos estudos, Gattai e Ravioli também não tiveram dificuldades ou frustrações. Eles contam que as emissoras acompanhavam o boletim escolar dos participantes e cobravam um bom desempenho na escola (algo obrigatório por lei). O ex-Masterchef Júnior conta, inclusive, que crianças com notas abaixo da média não passavam no processo seletivo.

A psicopedagoga, então, destaca que os pais também devem tomar cuidado com as cobranças que as crianças sofrem neste contexto. "A prioridade de qualquer criança tem que ser escola. Ela não tem que ter outro 'trabalho' que não seja o estudo. E a vem o desafio de se equilibrar as coisas. Os pais têm que perceber se ela não está dando conta ou sofrendo para fazer isso".

Tanto Gattai como Ravioli, dizem que não se arrependem de participar dos realities e reconhecem que tudo o que conquistaram até hoje foi fruto disso. Luiza continua atuando e cantando e, além de participar de séries, faz musicais pelo Brasil. Já Lorenzo está à frente de uma rede de restaurantes e estuda para se especializar ainda mais no assunto.

Por fim, a especialista reconhece que as participações trazem coisas boas, mas faz um alerta: "A criança pode ter apenas lembranças boas, de uma mês que passou cozinhando e cantando com os amiguinhos, ou pode sair com trauma para o resto da vida".

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