Netflix é processada em US$ 5 milhões por final sexista de 'O Gambito da Rainha'

Ícone da era soviética, enxadrista da Geórgia alega que plataforma de streaming causou danos irreparáveis à sua reputação ao sugerir que ela 'não tinha habilidades' para competir contra homens, uma informação falsa

Foto: Reprodução/Netflix
Cena da série 'O Gambito da Rainha'


Ícone do xadrez da era soviética, a georgiana Nona Gaprindashvili, de 80 anos, iniciou uma ação judicial contra a Netflix devido ao final "sexista", como ela avalia, da série "O Gambito da Rainha". A enxadrista acusa a plataforma de streaming por difamação e exige, como indenização, o valor de US$ 5 milhões (o equivalente a mais de R$ 26 milhões).

Protagonizada pela atriz Anya Taylor-Joy, a produção premiada com o Globo de Ouro 2021 (nas categorias Melhor Atriz em Minissérie e Melhor Minissérie) apresenta a trajetória da personagem fictícia Beth Harmon, jovem orfã americana que enfrenta enxadristas russos em campeonatos mundiais na década de 1960, no auge da Guerra Fria. A atração concorre a 18 prêmios no Emmy 2021, com cerimônia marcada para o próximo domingo (19/9).

Citação a nome real

O processo movido por Gaprindashvili, mais de um ano após o lançamento de "O Gambito da Rainha", destaca o episódio final da série, em que há uma menção ao nome da enxadrista.

No tal capítulo derradeiro, o comentarista de uma partida de xadrez solta uma frase sobre a personagem Beth Harmon e diz: "A única coisa incomum sobre ela, realmente, é seu gênero. E mesmo isso não é único na Rússia. Há Nona Gaprindashvili, mas ela é a campeã mundial feminina e nunca enfrentou homens".

Na sequência, a câmera se detém no rosto de uma mulher na plateia do campeonato que, de acordo com o processo, "obviamente deveria ser Gaprindashvili".

A alegação de que Gaprindashvili nunca competiu contra homens é "manifestamente falsa", "grosseiramente sexista" e "depreciativa", de acordo com a queixa de 25 páginas apresentada no Tribunal Distrital Federal em Los Angeles, nos EUA.

"Em 1968, o ano em que este episódio se passa, ela havia competido contra pelo menos 59 jogadores de xadrez do sexo masculino (28 deles simultaneamente num jogo), incluindo pelo menos dez grandes mestres da época", acrescentou o documento.

O processo acrescentou que, apesar de ter esses fatos em mãos, a Netflix "descarada e deliberadamente" mentiu, com "maldade real" sobre as conquistas da mulher de 80 anos com o propósito "barato" de "aumentar o drama". A descrição de Gaprindashvili pela Netflix como russa, e não georgiana, acrescenta mais "insulto à injúria", como reforça o documento.

Netflix questiona ação

Em declaração à emissora NBC News na última quinta-feira (16/9), um porta-voz da gigante do streaming afirmou: "A Netflix tem apenas o maior respeito por Gaprindashvili e sua ilustre carreira, mas acreditamos que esta afirmação não tem mérito e defenderemos vigorosamente o caso."

Gaprindashvili disse que confrontou a plataforma streaming por causa dessas supostas mentiras logo depois que a série foi ao ar, mas a Netflix rejeitou suas afirmações e afirmou que a cena final era "inofensiva". A época, a Netflix também se recusou a oferecer uma retratação ou emitir uma declaração pública, acrescentou ela.

'Danos irreparáveis'

O processo afirma que houve quatro casos de "malícia real" por parte da Netflix, incluindo a alteração "deliberada" do texto do romance homônimo de Walter Tevis (publicado em 1983), no qual a minissérie se baseia.

Os advogados de Gaprindashvili argumentam que a minissérie, que foi vista por 62 milhões de pessoas ao redor do mundo, causou um dano irreparável à reputação de sua cliente ao sugerir que ela "não tinha as habilidades" para competir contra os homens.

Assim, numa história que deveria inspirar as mulheres ao mostrar uma jovem competindo com homens nos níveis mais altos do xadrez mundial, "a Netflix humilhou a única mulher real que realmente enfrentou e derrotou homens no cenário mundial na mesma época".