Você não está protegido da violência sexual por trás da tela do celular

Sheylli Caleffi, ativista pela erradicação da violência sexual e online, explica o método manipulador que criminosos usam para aliciar jovens na internet

Você não está protegido da violência sexual por trás da tela do celular
Foto: Juliana Morales
Você não está protegido da violência sexual por trás da tela do celular

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ntes de sair de casa, você já deve ter ouvido dos seus pais a orientação para não falar com estranhos na rua ou não aceitar bebidas de ninguém. Mas e na internet ? Alguém já conversou com você sobre os perigos do ambiente digital ou te aconselhou a como se proteger deles? Nem sempre esse alerta acontece, mas deveria.

Em 2023, a Safernet , organização com foco na promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet no Brasil, recebeu 71.867 novas denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil online . O número é o recorde absoluto de denúncias novas (não repetidas) desse tipo de crime que a ONG recebeu ao longo de 18 anos de funcionamento da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.

Sheylli Caleffi , educadora e ativista pela erradicação da violência sexual e online, usa as próprias redes sociais para alertar pais e jovens sobre a internet ser um território muito fértil para casos de abuso e exploração sexual infantil. “Com a ascensão do digital, os criminosos têm muito mais espaço para fazer estrago. Se antes abusadores levavam um tempo para aliciar uma criança, hoje, eles aliciam 50 crianças ao mesmo tempo nas redes”, alerta a especialista durante entrevista à CAPRICHO.

Ela destaca que, no caso dos adultos, eles podem ser vítimas de muitos golpes, principalmente de cunho financeiro, no mundo virtual, já as crianças e jovens não têm esse poder aquisitivo. “Então, na mão dos criminosos, os mais novos viram um produto, tendo fotos e vídeos comercializados”, explica.

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Exemplo disso é o aumento de casos de sextorsão . Para quem não está familiarizado com o termo, trata-se de um crime virtual no qual o agressor chantageia e ameaça a vítima normalmente em troca de dinheiro – mas pode ser por vingança ou humilhação.

Geralmente, o criminoso tem acesso a conteúdos íntimos da pessoa, que são usados como moeda de troca: “se você não fizer o que eu estou mandando, vou enviar isso para todo mundo”. E, acredite, essa situação é mais recorrente entre a nossa galera do que imaginamos. Acontece que boa parte das vítimas não denunciam por medo, vergonha ou culpa – mas carregam graves consequências sociais e psicológicas por vivenciarem tal situação.

Outra face do problema são os crimes de pornografia infanto-juvenil . Como define o Estatuto da Criança e do Adolescente , diz respeito a qualquer ato que envolva “a presentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive internet, imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes”.

Não é sobre saber usar a tecnologia

Você, leitor(a) da CAPRICHO, provavelmente, não consegue nem imaginar como é um mundo sem internet. A Geração Z já nasceu conectada e o smartphone é parte de quem ela é. E, sim, a nossa galera domina a tecnologia como ninguém, mas isso não garante que jovens não caiam nas armadilha delas – ou de quem a usa para cometer crimes, principalmente de cunho sexual. Sheylli destaca a natureza do ser humano em confiar em outras pessoas, e isso, somado a uma carência, pode deixar a pessoa muito vulnerável.

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Isso porque os criminoso se apropriam da engenharia social para fazer mais e mais vítimas. Como explica a cartilha do PNPC (Programa Nacional de Proteção do Conhecimento Sensível), trata-se de um método usado para enganar, manipular ou explorar a confiança das pessoas . “É uma forma de ataque sem violência física que busca fazer com que a vítima realize voluntariamente ações prejudiciais a si mesma, como divulgar informações sensíveis ou transferir dinheiro para desconhecidos”, esclarece o guia.

Sheylli explica que, para manipular e ganhar a confiança, os abusadores estudam o jovem. Se uma garota fala que sonha em ser modelo, por exemplo, ele vai dizer o quanto ela é linda e tem potencial, e que pode fazer contato com uma pessoa conhecida que trabalha em uma agência de modelos para ajudá-la a entrar nessa carreira. Ou se o jovem está sofrendo com a separação dos pais, o criminoso pode contar a história de que também passou por isso para gerar uma identificação. Eles usam o que as pessoas mais gostam e precisam para se aproximar e, por fim, agir criminosamente.

A especialista ressalta que esse processo de aliciamento passa por várias fases e pode ser longo. Mas o primeiro passo é o agressor se aproximar e tentar criar uma amizade com a vítima. “Os criminosos começam com um conversa super educada por meio do chat de um jogo ou de alguma rede social, pedem licença, perguntam se podem seguir o perfil”, diz. Depois que consegue criar o elo de confiança e conexão, é hora de agradar a vítima por meio de presentes, como moedas de jogos, pix, ou ajuda para solucionar algum problema. Depois chega a hora de eles pedirem algo em troca, como uma foto ou vídeo íntimo.

“É muito comum que eles mandem imagens ou vídeos de outros jovens para naturalizar o que eles estão pedindo para a vítima e fazer com que ela acredite que não tem problema se relacionar com outra pessoa ou fazer nudes, por exemplo”, alerta Sheylli.

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Proteja-se como se estivesse no presencial

Diante de todas essas técnicas e manipulações usadas pelos criminosos, nossa galera precisa estar 100% atenta e cautelosa. Afinal, não existe “cara de criminoso”. A pessoa que você conheceu na internet pode ser um amor, mas isso não garante que ela tenha uma boa intenção. Outro erro é acreditar que não tem problema conversar com o desconhecido só porque ele é da mesma idade. Hoje, ferramentas de inteligência artificial possibilitam que adultos se passem por adolescentes na internet para enganar outros jovens.

E, por mais que essa pessoa fique meses e até anos conversando online com você, isso não faz ela ser de confiança – lembre-se que o processo de aliciamento pode ser bem longo e tudo pode fazer parte de uma tática de manipulação. Por isso, manter suas contas privadas e não responder contatos desconhecidos é o melhor a se fazer.

Mas, caso faça um amigo em um jogo ou rede social, mostre para seus amigos do presencial ou para alguém da sua família e veja a opinião deles sobre as conversas – um olhar de fora pode ser bem mais crítico do que de quem está por dentro da situação, viu? Em todos os casos, é importante lembrar que a sua intimidade é sua e, por isso, é preciso tomar muito cuidado com quem você vai compartilhar!

Agora, se você perceber que se tornou vítima de sextorsão ou outro crime do tipo, é muito importante buscar a ajuda de uma pessoa maior de 18 anos para te orientar. “Se o seu pai ou mãe for muito bravo, procure um professor ou alguém de confiança. Ou também é possível pedir ajuda no Disque 100, serviço de utilidade pública do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ou direto em uma delegacia da polícia”, orienta Sheylli.

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