P
ara Juvi Chagas , a vida não é tão curta como dizem por aí. Por muito tempo, ela trabalhou apenas como produtora musical, quase se formou na faculdade de Psicologia, e foi evangélica até os 21 anos. Entendeu-se como uma pessoa não-binária aos 27. E hoje, aos 33, continua trabalhando fortemente com música, mas divide seu tempo na produção de conteúdo para internet. Ela também largou a igreja e, agora, se considera ateia.
A jovem, com carinha de Geração Z mas com a experiência de três décadas, abandonou o apego em seguir um roteiro definido de como seria sua vida e abraçou a espontaneidade das coisas e na possibilidade delas acontecerem o tempo todo. “N ão quer dizer que eu era uma pessoa triste antes, mas eu não era uma pessoa totalmente feliz e também não acho que eu sou uma pessoa totalmente feliz hoje. Mas temos que parar de buscar essa totalidade da felicidade”, defende.
Na última semana, a CAPRICHO foi ao estúdio na zona oeste de São Paulo onde Juvi estava gravando o episódio do Juvi Talkshow, seu mais novo projeto em formato de videocast. Acompanhamos tudo de perto e te contamos mais neste outro texto aqui . Após o fim da gravação, batemos um papo sobre o momento que está vivendo hoje dentro e fora da internet.
Para falar do presente, ela recorda como estourou na internet, em 2021, com vídeos de TOP 5, que viraram uma espécie de marca registrada da influenciadora. Neles, Juvi debate sobre qualquer assunto, inclusive o mais rotineiro possível, como se fosse uma grande discussão contemporânea. “Foi a partir daí que consegui ganhar dinheiro com a internet”, conta. No entanto, ela vinha produzindo conteúdo desde 2014 e diz que, apesar de antes não ter o retorno financeiro, também considera que dava certo, sim.
“Esse ‘dar certo’ vem da ideia de encarar a produção de conteúdo como um processo artístico”, explica e continua: “Eu estou no momento de entender esse lugar, tanto da música quanto do conteúdo online, como um processo de expressão minha ao invés de um processo mais midiático”. Todo TOP 5 ou música que ela cria vem de uma conversa que teve com alguém ou de algo que aconteceu na sua vida.
O seu terceiro álbum de música, intitulado ‘Cultura do Ódio’, por exemplo, surgiu a partir da observação da artista em torno das novas formas de se relacionar através do dinamismo das interações online. “O ódio está regendo muito as redes sociais e a vida cotidiana porque é um sentimento mais fácil de sentir, é o que dá engajamento, mais gera conversas e fofocas”, explica, e diz que pensou no tema a partir de suas próprias vivências do ódio que recebeu ao se expor como uma pessoa não binária e trans na internet.
Nos vídeos publicados nas redes sociais, ela também busca refletir e quebrar essas ideias. “Desde a gente falar do copo de plástico até falar nomes de cores, eu gosto de mostrar que nenhuma experiência é individual. E, sim, o ódio pode ser algo comum em todas as pessoas, mas existem muitas outras coisas que interligam a gente além dele”, ressalta.
Gerar discussões como essa da cultura do ódio, assim como levantar pautas e dar informações relevantes à comunidade LGBTQIAPN+, é o que Juvi enxerga como um dos papéis a serem exercidos enquanto uma influenciadora digital – profissão na qual ela vê com um olhar bastante critico e os pés no chão.
“Vivemos um momento em que a influência digital e a produção de conteúdo viraram o novo jogador de futebol e a nova atriz da Globo. As pessoas almejam isso, principalmente as mais novas”, diz e ressalta que trata-se de um fenômeno muito recente e que “precisamos criar uma sustentabilidade psicológica dentro disso”.
“Antes dirigiam carros sem cinto de segurança, mas, conforme foram entendendo que carro é algo perigoso, passaram a entender a necessidade do cinto. Estamos passando por esse momento na internet de entender o que é a criação de conteúdo e conter os danos disso”, explica. Juvi reconhece sua responsabilidade pela audiência e tem todo o cuidado para produzir “um tipo de humor que não tenha nenhuma pessoa ou estereótipo como alvo”, mas que fale de coisas que todo mundo se identifica.
Ao mesmo tempo, ela nada muito contra a maré do culto de celebridades. “Eu sou uma produtora de conteúdo, eu faço arte com meu conteúdo. Eu gosto de encarar assim, não entrei nisso para ficar famosa. O pouco que eu tenho de respingo da fama me incomoda e talvez isso não me leve tão para frente em números, mas não quero que as pessoas fiquem lambendo o chão que piso, eu estou aqui para ser criticada, errar, apagar vídeo se for necessário”, diz.
Para ela, um dos segredos é encontrar o equilíbrio entre ter a pretensão de criar algo importante em alguns momentos e de não se levar tão a sério em outros. É encarar a finitude e infinitude presente na vida e se deixar ser surpreendida por ela.