Uma recente leitura de um livro de César Aira ( Em Havana ) me levou a tomar contato com a obra de Raymond Roussel , escritor quase que completamente desconhecido por essas plagas. Contudo, ele é tido por muitos de seus pares como precursor do Surrealismo . Li num ensaio que Aira teria bebido na fonte de Roussel e fui averiguar de quem se tratava.
Recebi a sua obra, digamos, mais conhecida — Locus Solus . E notei logo que os textos eram donos de uma porção tão iniciática que nem o opúsculo que ele nos deixou explicando seus métodos (C omment j’ai écrit certains de mes livres ) conseguem clarificar determinados aspectos de seu singularíssimo modus operandi.
Para o francês, a obra não deveria conter nada de real ou concreto, mas ser única e tão somente imaginária. A literatura seria isolada do mundo e teria suas próprias leis e processos criativos.
Em Locus Solus , um narrador, acompanhado por um grupo de pessoas, é convidado a passar um dia numa propriedade situada no entorno de Paris. O anfitrião, o cientista Martial Canterel, conduz os visitantes através do parque, mostrando e explicando suas invenções, entre elas um líquido chamado ressurectina , que traz mortos à vida por um curto espaço de tempo, uma máquina voadora que forma mosaicos com dentes humanos e um enorme diamante cheio de um líquido especial, a acquamicans . Dentro dele dança uma jovem, nada um gato sem pêlos e a cabeça de Danton recobra os movimentos.
Diria-se, após adentrar minimamente no universo rousseliano, que Salvador Dalí ou André Breton , perto de suas abismais ideias, seriam dois Austregésilos de Athayde, trajando pijamas, numa sessão da Academia Francesa de Letras.
Para não travar as bielas cerebrais interrompi momentaneamente a leitura de Locus Solus e escolhi ao acaso alguns contos, bem mais pé no chão, do seminal livro, da ex-Cosac Naify, de Flannery O’Connor . Nada como aquela dura realidade sulina norte-americana para recolocar no prumo o sistema nervoso central.
Mesmo assim confesso ter a tendência de mesclar cenários de literatura bem díspares. Não é nada incomum eu estar com Machado de Assis no colo e Ryu Murakami na palma das mãos.
Minha conclusão em relação a esse contato mais próximo com Raymond Roussel ainda não está completamente fechada. Entretanto, me recordei que certa vez mandei uns poemas de minha lavra para Alice Ruiz, em Curitiba. Coisa de rapazote influenciado por Buñuel e alguns dadaístas.
A poeta me respondeu, num belo cartão postal, que tinha gostado muito do que vira, mas que era preciso tomar cuidado para não se perder na voragem das palavras. Roussel certamente não curtiria esse conselho.
LIVROS DOADOS / COMPRADOS: Em Havana (Cultura e Barbárie), César Aira + Novas Descobertas de Adinolfa (Cultura e Barbárie), Raymond Roussel + Miso Soup (Companhia das Letras), Ryu Murakami + Obras Completas (Nova Aguilar), Machado de Assis
LIVROS LIDOS: Locus Solus (Cultura e Barbárie), Raymond Roussel + Como Escrevi Alguns dos Meus Livros (Cultura e Barbárie), Raymond Roussel + Contos Completos (Cosac Naify), Flannery O’Connor