A atriz Andrea Davidovics é duplicada em cena em “ Tierra ”, espetáculo do artista franco-uruguaio Sergio Blanco que fechou, no último fim de semana, a 7ª edição do Mirada – Festival Ibero Americano de Artes Cênicas em Santos e pode ser vist o quarta (18) e quinta-feira (19) em São Paulo na extensão paulistana do evento. Por meio do recurso audiovisual, sua imagem é projetada em duplicidade no telão do fundo do palco, de modo a sugerir uma conversa entre dois personagens.
A imagem sintetiza a pesquisa artística de Blanco. O dramaturgo e encenador é um dos expoentes da autoficção na cena teatral da contemporaneidade , d edica do ao exercício de dialogar consigo próprio como autor e personagem.
Blanco acredita no poder curativo da palavra e faz uso de seu teatro como campo terapêutico para tratar de temas pessoais. Em “O Bramido de Düsseldoff ” , apresentado no país em 2019, reelaborou a relação com o pai levando ao palco diálogos que não pode ter com ele na vida real. Em “ A Ira de Narciso” , visto no Brasil na encenação do artista e na remontagem brasileira de Yara de Novaes , refletiu sobre a própria profissão aproximando sua pulsão criadora `a do mito de Narciso.
A partir de seus mergulho s umbi lica is, o desejo do autor e diretor é alcançar a universalidade .
“Tierra” nasce da tentativa de ressignificar a morte da mãe, Liliana Ayestarán , que foi professora de literatura e morreu em seus braços em 2022. Presente em cena como personagem de si mesmo, o ator e ater-ego do artista trabalha o luto de seu criador trazendo à cena três ex-alunos de Liliana cujas vidas foram impactadas por sua presença, além de também marcadas por perdas familiares.
Num espaço que recria a quadra escolar e o escritório da mãe, o personagem Blanco conversa com a trinca remontando memórias e diálogos que cada um teve com ela .
Como de praxe em seus espetáculos, “Tierra” têm início com a exposição do próprio fazer teatral em que o ator apresenta suas intenções como criador, introduz personagens, constrói e descontroi repetidamente as cenas diante dos olhos da plateia reforçando continuamente o jogo existente entre ator e personagem.
A tensão entre realidade e ficção é intrínseca à arte teatral. Pode ser mais ou menos latente mas está sempre presente na medida em que um ator serve-se de sua presença real na criação de uma obra.
Blanco esgarça essa tensão até o limite de suas forças para impulsionar a reflexão sobre o quanto de verdade e de mentira existe no palco e, da mesma forma, na vida real.
Imperfeição como recurso estilístico
A peça do argentino Marco Canale, “A Velocidade da Luz” , feita especialmente para esta edição do Mirada, utiliza material autobiográfico como ponto de partida para a criação. Fruto de uma residência de quatro semanas entre o diretor com moradores idosos de Santos sem experiência teatral prévia , o espetáculo entrelaça histórias reais e ficcionais. Os relatos de cerca de 40 pessoas apresentam sonhos e vivência s individuais e são costurados por um roteiro elaborado por Canale que se conecta com a história do município.
Assim como
em
“ Tierra”
,
as fronteiras entre verdade e invenção se misturam
em cena
tornando impossível a tarefa de distingui-las.
Como
o próprio alter-ego de Blanco diz
no palco,
não importa
diferenciar
realidade
e
ilusão. O que está em questão é o jogo teatral.
Ele d
eseja trazer a plateia para o centro
da cena,
como agente d
este
campo de questionamento
intitula
do
teatro
. Em suas peças, o espectador se surpreende suspenso no espaço, se questionando a cada momento sobre se o que vê é de fato verdadeiro ou
material ficcional
.
Na medida em que desenrola os emaranhamentos da cena e compõe mentalmente a conclusão do quanto de descaminhos há nos caminhos propostos na montagem, acaba por exercer papel ativo na peça , atuando como uma espécie de investigador. Não é preciso chegar a um veredito , o fundamental é estar no jogo e nele permanecer junto com os artistas .
Ao exporem suas autobiografias ficcionalizado-as, Sergio Blanco e os atores de “A Velocidade da Luz” surgem amparados pelo conforto da frequente possibilidade da dúvida da veracidade ou não d e suas histórias. No caso desta última, o uso de personagens rea is amplifica a exposição , e a inexperiência teatral do elenco acaba por adicionar fascínio ao jogo da cena . A fragilidade da atuação dos não-atores se converte em recurso linguístico capaz de ressaltar, talvez erroneamente, a autenticidade dos relatos.
Se a imperfeição de “A Velocidade..” acaba por imprimir credibilidade à exposiçã o , exalta , por outro lado, as deficiências do espetáculo como obra acabada .
A excelência
forma
l
de
“
Tierra”
salta aos olhos.
Branco soube
transforma
r
sua
pesquisa
teatral
em fórmula, a qual reproduz
e apura
de
modo
progressiv
o
, a cada trabalho
. Como conteúdo seu espetáculo não alcança
o
patamar
dos
outros
já
apresent
ados
no país.
É uma
autoficção
que
carece de
exposição de seu autor
.
Talvez pelo fato de
escalar três personagens para falar sobre
a mãe
em seu lugar
,
o
franco-uruguaio
se abstém de
revela
r-se
em
profundida
de
, e ainda
c
ria um
a imagem materna
um tanto mitificad
a.
Entre os destaques d a mostra paulistana do Mirada também está “ Sombras, Por Supuesto ” , da Cia. a rgentina El Silencio , sob direção de Romina Paula . A tra m a com ares realistas e diálogos que flertam com o absurdo faz uma crítica ao abuso de poder ao retrata r a invasão de d ois policiais n a casa de um casal . Eles inventariam a residência em busca de evidências de um caso misterioso , sobre o qual não explicam . A dupla tudo entrega aos agentes . F ica exposta, à mercê do s disparates exigidos pelos supostos executores da ordem .
Onde: Sesc Vila Mariana
Quando: quarta e quinta, às 21h; 18/9 e 19/9
Ingressos: De R$ 21 a R$ 70
Classificação: 16 anos
Onde: Sesc Belenzinho
Quando: quarta e quinta, às 21h30; 18/9 e 19/9 Ingressos: De R$ 18 a R$ 60
Classificação: 14 anos