Marisa Monte orbita em universo particular de seu show sinfônico

Embora aponte desgaste da fórmula pop da cantora, turnê ‘Phônica’ lotou Parque do Ibirapuera em duas apresentações neste fim de semana

Marisa Monte no show Phônica
Foto: Leo Aversa
Marisa Monte no show Phônica

RESENHA DE SHOW

Título: Phonica

Artista: Marisa Monte

Data: 08 e 09 de novembro de 2025

Local: Parque do Ibirapuera (São Paulo, SP)

Cotação: ★ ★ ★ (BOM)


Quando subiu ao palco da área externa do Auditório do Ibirapuera na noite de sábado, 08, Marisa Monte  já tinha consciência de que a plateia que lotou o espaço armado no parque para conferir a estreia paulistana de Phônica , show em que passa seu repertório por moldes orquestrais, era formada por súditos fiéis, todos prontos para sorver a aura pop das canções que ao longo de 34 anos foram trilha do Brasil.

Se em meados da década de 2000 a cantora aprofundou a faceta compositora, sempre munida dos parceiros tribalistas Carlinhos Brown  e Arnaldo Antunes  - co-autores de clássicos instantâneos do repertório da artista -, foi como cantora que Monte impôs padrões altos dentro da indústria musical. 

Sua estreia em disco com o excelente MM (1989), gravado ao vivo ainda como intérprete de voz rascante, estabeleceu um novo ponto de virada na canção popular e foi farol para a formação de novas cantoras a partir dali.

Suavizada pelo tempo, a voz visceral deu lugar a um registro mais contido e a uma aura classuda que emoldura canções de acento pop romântico, nem sempre à altura de sua intérprete, mas com forte adesão de um público que, ao longo de três décadas e meia, formou séquito fiel.

E foi esse público que, ao longo de duas horas, cantou em coro uníssono (quase) todas as 27 canções que compõem o roteiro do show Phônica , onde a verdadeira estrela é o cancioneiro criado pela artista.

De todos os temas do espetáculo, apenas nove não levam a assinatura da cantora. Destas, apenas quatro não foram originalmente lançadas pela artista, que dá início à viagem por seu repertório ao som de Vilarejo (Marisa Monte/ Arnaldo Antunes/ Carlinhos Brown/ Pedro Baby, 2006), hino bucólico lançado em 2006, mas elevado a hit ao longo dos anos seguintes.

Marisa Monte no show Phônica
Foto: Leo Aversa
Marisa Monte no show Phônica

A canção surtiu efeito instantâneo, emoldurada pelo verde do Ibirapuera e pela animação de um público desejoso de cantar o cancioneiro pop de ar classudo. A presença dos 55 músicos que formam a orquestra sinfônica regida pelo maestro André Bachur adicionou moldura clássica que, verdade seja dita, surtiu pouco efeito nos arranjos.

Isso porque a obra de Monte é tão característica que é impossível não remeter diretamente aos arranjos originais, registrados ao longo de 14 álbuns de carreira fonográfica que sempre manteve um padrão alto de produção.

É o caso de O que Você Quer Saber de Verdade (Marisa Monte/ Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, 2011), Infinito Particular (Marisa Monte/ Arnaldo Antunes/ Carlinhos Brown, 2006) e Aliança (Arnaldo Antunes/ Carlinhos Brown/ Marisa Monte/ Pedro Baby/ Pretinho da Serrinha, 2017), canções que pouco ganham com a adição da orquestra.

Os novos arranjos e o molde clássico não mudam o fato de que os temas ainda têm poder aliciante menor, principalmente se comparados a hinos populares instantâneos como Ainda Bem (Marisa Monte/ Arnaldo Antunes, 2011) e Amor I Love You (Carlinhos Brown/ Marisa Monte, 2000), naturalmente presentes no roteiro.

Sabendo que jogava para ganhar, Monte apostou em terreno sólido ao lançar mão de temas como Beija Eu (Marisa Monte/ Arnaldo Antunes/ Arto Lindsay, 1991) e A Sua (Marisa Monte, 2001), mas foi com Depois (Arnaldo Antunes/ Carlinhos Brown/ Marisa Monte, 2011) que a cantora fez a alegria de seu público. Embebido pela balada de aura kitsch que fez do álbum O que Você Quer Saber de Verdade (2011) um dos mais populares da trajetória da cantora, o público cantou a plenos pulmões.

Foto: Leo Aversa
Marisa Monte no show Phônica

Verdade seja dita, a cantora também sabe pescar algumas boas pérolas esquecidas em seu baú. Foi o caso da swingante Cérebro Eletrônico (Gilberto Gil, 1969), relembrada em um dos melhores momentos da apresentação. O show conta ainda com outros ótimos momentos, como Carnavália (Arnaldo Antunes/ Carlinhos Brown/ Marisa Monte, 2002) e a menos óbvia ⁠ Ao meu Redor (Nando Reis, 1994).

Mesmo quando mergulha em temas românticos, a cantora se sai melhor quando opta por títulos como Ainda Lembro (Marisa Monte/ Nando Reis, 1991) e É Você (Arnaldo Antunes/ Carlinhos Brown/ Marisa Monte, 2002), canções que comprovam que as baladas do repertório da artista foram se tornando progressivamente menos interessantes - ainda que, por seu teor mais simples, sigam capazes de mover multidões.

Com cenário e figurinos que mantém o alto padrão de turnês anteriores, como Portas , Verdade, Uma Ilusão e a excelente Universo Particular , o show sinfônico conserva a imagem da cantora e compositora orbitando ao redor de seu próprio universo pop, oferecendo à artista ganhos e perdas.

Phônica mostra que a artista tem cacife e força popular para movimentar público capaz de lotar estádios ao redor do país. Por outro lado, o espetáculo deixa transparecer certo desgaste da fórmula pop-classuda de uma das maiores cantoras do Brasil, deixando transparecer que talvez haja pouco de novo para de fato se aproveitar em um show de Marisa Monte.