Mel Lisboa: "Eu iria aparecer nua e queria estar com tudo em cima"
É com o mesmo empenho de seus trabalhos na telinha da Record ou dos bastidores da aclamada peça “Mulheres Alteradas”, que Mel Lisboa se prepara para mais um dia de trabalho no pequeno espaço da Companhia Pessoal do Faroeste, grupo de teatro alternativo localizado no centro de São Paulo.
São quatro horas da tarde de um sábado e a atriz já está com gás total. Aula de sapateado, aquecimento da voz, marcação de cenário e maquiagem. Em pouco tempo a atriz se transforma em Wanda Scarlatti, uma cantora e atriz que quer lançar o primeiro filme de sexo explícito do Brasil.
Mel é protagonista de “Cine Camaleão – A Boca do Lixo”, peça de Paulo Faria que mescla teatro e vídeo, e mostra a história de um dos gêneros mais populares do cinema brasileiro na década de 1970, a pornonchanchada.
A identificação com a história foi instantânea, “principalmente por conta da nudez”. “Fiz muita coisa nua também de televisão, essa questão da nudez no cinema, de gerar às vezes um certo preconceito. sinto um pouco isso por eu já ter feito”, conta a atriz, relembrando a personagem mais marcante de sua carreira em "Presença de Anita" (2001).
Mas para quem pensa que Mel aparece sem roupa no espetáculo, terá que se contentar com algumas imagens de pernas de fora ou frases fortes como “Eu vou f*** com todo mundo”. “Ninguém fica nu, nem na peça nem no filme. É tudo sugerido”, diz ela.
Em conversa com o iG Gente , Mel fala sobre sua saída da peça "Mulheres Alteradas", sucesso de bilheteria que começou a rodar o Brasil, para ficar em São Paulo ao lado de Bernardo , 2 anos, seu filho com o músico Felipe Roseno . A atriz, de 29 anos, escolheu "Cine Camaleão" para dar continuidade ao que mais gosta de fazer: estar no palco.
Confira o bate papo...
iG: Mesmo com o sucesso de “Mulheres Alteradas” você decidiu sair da peça. Por quê?
Mel Lisboa:
Combinei que eu ia sair porque a peça iria viajar e eu estava querendo ficar mais em casa, em São Paulo. Já estava muito tempo em cartaz com 'Mulheres', e teria que viajar toda semana. Eu combinei de sair depois da temporada do Rio.
'Anita' foi um furor na época. Eu ingenuamente não tinha noção como isso afetava as pessoas. Minha única preocupação era estética. Eu iria aparecer nua eu queria estar com tudo em cima"
iG: E logo surgiu o papel em “Cine Camaleão”?
Mel Lisboa:
Isso. O Paulo me ligou um dia pra eu fazer a peça . Já conheço o Paulo de muitos anos, da vida. O perfil da personagem era diferente, e ele foi mudando e encaixou o perfil da Wanda para mim. Era o único momento que eu podia fazer. Ele me convidou na hora certa.
iG: Além de atuar, você também participou da produção da peça. Como foi esse trabalho?
Mel Lisboa:
Foi um processo colaborativo. Antes de receber o texto, a gente fez muita pesquisa. Nunca tinha feito um processo colaborativo de verdade. Foi muito bom, é diferente. É um lugar meio inseguro pra mim, é mais simples você receber um texto e interpretar aquilo, agora quando você tem que criar, você é responsável por tudo. Vale a pena, vale a ousadia.
iG: Já pensou em escrever para o teatro?
Mel Lisboa:
Não, nunca. Não tenho a manha. É uma coisa bastante técnica de fazer. Quem sabe um dia?
iG: A peça fala das produções da Boca de Lixo e de uma época de pornografia no cinema brasileiro. A sua personagem tem o viés sexual?
Mel Lisboa:
Essa peça é meio controversa. Tenho muita agressividade na minha fala, sexualmente falando, porque a Wanda está querendo fazer o primeiro filme de sexo explícito, não dá pra ser diferente. Ela é uma víbora, inescrupulosa. É um pouco às avessas a sexualidade nessa peça, e é muito chique, porque na verdade fica muito na expectativa do que pode ser, mas não tem ninguém nu, nem na peça e nem no filme. É tudo sugerido porque não precisa na verdade. Isso foi uma escolha bem bacana do Paulo. A sexualidade está muito na fala, no texto, porque é um assunto que a gente está lidando o tempo inteiro na peça: sexo.
Nem sempre a gente faz as melhores escolhas, mas eu vou tentando, com erros e acertos. Ator é uma carreira bastante instável"
iG: Por que aceitou participar? Você se identifica com a personagem?
Mel Lisboa: Gostei muito de participar, principalmente por conta dessa coisa da nudez. Fiz muita coisa nua também de televisão, essa questão da nudez no cinema, de gerar às vezes um certo preconceito. Sinto um pouco isso por eu já ter feito. Sinto que as atrizes que fizeram a Boca (reduto da pornochanchada em São Paulo) sofreram ou sofrem algum preconceito. Algumas já não fazem quase nada. A grande estrela da boca que é a Helena Ramos
, ela não trabalha mais como atriz.
iG: Mas tem atrizes dessa época que também fizeram sucesso, como a Vera Fischer.
Mel Lisboa:
Tem as produções cariocas também. Todas elas tinham essa mesma estética, uma estética que não tinha somente no Brasil, tinha no mundo inteiro, a estética do filme erótico. Não tinha sexo explicito, mas era um momento. E acabou marcando muito.
iG: Acha que te marcou muito fazer “Presença de Anita”?
Mel Lisboa:
É marcante. Na verdade, eu não tinha noção, não tinha preocupação. Quando eu fui fazer Anita, queria fazer bem, as pessoas falavam “ah, você vai ficar nua”, isso pra mim não era preocupação. Aquilo foi um furor na época. E eu ingenuamente não tinha noção como isso afetava as pessoas, de como isso mexe com o imaginário. Minha única preocupação era estética. Eu iria aparecer nua eu queria estar com tudo em cima. Não tinha noção de como afeta as pessoas.
Chega uma hora que você acha que seu trabalho está uma bosta, que não é isso que você quer dizer. Isso é natural, isso é o que faz você evoluir e buscar outras coisas"
iG: Arrepende-se de ter feito um papel assim logo no início da carreira?
Mel Lisboa:
Anita me marcou de uma certa forma, né? É minha história, não tem como fugir dela, e tenho que saber entender e tentar fazer as melhores escolhas e nem sempre a gente acerta. Nem sempre a gente faz as melhores escolhas, mas eu vou tentando, com erros e acertos. O ator é uma carreira bastante instável, né? Nesses dez anos de profissão, eu tenho tido muita estabilidade, sempre tive trabalho. Estou desenvolvendo um trabalho bastante consistente no teatro que na verdade foi onde eu comecei e onde me sinto bastante à vontade, tenho maior domínio. Isso pra mim é muito importante.
iG: O que a Mel de hoje falaria para a Mel de 10 anos atrás, quando “Presença de Anita” foi para o ar?
Mel Lisboa:
Não sei, sinceramente. Eu falaria só “calma”. A gente tende a ser muito ansiosa e com a ansiedade acaba se boicotando. Acho que eu falaria calma.
iG: Você concedeu uma entrevista falando que pensou em desistir da carreira de atriz mais de uma vez por ano. É verdade?
Mel Lisboa:
As pessoas aumentam muito. Se eu fosse a única que pensasse assim. Você deve pensar assim. É jornalista, mas pode querer ser fotógrafa, pintar. Você se questiona, chega uma hora que você acha que seu trabalho está uma bosta, que não é isso que você quer dizer. Isso é natural, isso é o que faz você evoluir e buscar outras coisas, entendeu? No momento da crise, eu penso assim. A questão é: o que eu vou fazer? Não sei, não sei fazer mais nada na verdade. Eu sou atriz. Se eu fizesse outras coisas, acho que elas seriam muito ligadas ainda à função de atuar. Direção, produção. Estou produzindo uma peça para o ano que vem.
iG: Que peça é essa?
Mel Lisboa:
Chama-se “Cordel do Amor Sem Fim”, gosto do texto há muito tempo. Mas eu tomei as rédeas porque é de uma autora brasileira muito bacana. Enfim, uma coisa para o ano que vem.
iG: Se você não fosse atriz, o que gostaria de fazer?
Mel Lisboa:
Não me vejo fazendo outra coisa, mas não impede de um dia eu não atuar mais, ou então atuar, mas que isso não seja o meu ganha pão. Às vezes seja só um “Ai que gostoso, estou no palco, delícia”. Sem precisar me preocupar em pagar o mês sendo atriz, sabe?