Ricardo Mehedeff poderia apostar na Mega-Sena. A ideia de fazer um filme sobre um juiz enclausurado por seu ofício surgiu em 2012. “Eu li uma matéria sobre um juiz federal do Mato Grosso do Sul, que foi forçado a viver dentro do fórum durante seis meses”, explica em bate-papo. “Foro Intímo”, que estreia nesta quinta-feira (26) nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Porto alegre, Palmas e Teresina, chega em um momento em que os holofotes da opinião pública estão voltados para a atuação do judiciário.
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Mehedeff conta a história do juiz Gustavo, que está vivendo dentro do fórum e alocou sua família na Argentina por conta de um tumultuado e rumoroso caso envolvendo um ex-Senador e tráfico de drogas. “Foro Íntimo” foi todo filmado dentro do Fórum Lafayette , em Belo Horizonte, que se destaca por sua arquitetura imponente e pomposa e vira um elemento dramatúrgico importante dentro dos planos e enquadramentos propostos pelo cineasta.
A maneira com que Mehedeff filma, privilegiando um enquadramento bem quadrado, já agrava a sensação de mal-estar e desconforto. Ele utiliza metáforas de outra natureza também para estabelecer seu comentário, como o fato do juiz estar adoecido.
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Mehedeff defende que seu filme propõe uma reflexão sobre o sistema judiciário. O olhar que dispensa é de fato curioso. Gustavo Werneck passou um tempo no fórum para absorver a rotina de um juiz. Para os propósitos dramáticos do longa, era preciso ter claro como é a rotina do juiz para dimensionar aquela quebra. “Foro Íntimo” se passa ao longo de um dia – em que há uma audiência desse ruidoso caso envolvendo o ex-senador.
Há uma cena em que o juiz instrui o promotor a vazar um conteúdo sigiloso que, uma vez que ganhasse a mídia, poderia prejudicar o ex-senador. Essa cena, elaborada bem antes de todo o ruído provocado em torno de Sergio Moro e procuradores da Lava Jato, dá dimensão da aderência da acusação no juízo. É esse incômodo que o filme busca.
Para o cineasta, diferentemente de documentários que buscam apenas a legitimação de seus autores e audiência, seu filme tem capacidade para furar a polarização política que domina todo e qualquer debate no Brasil – dos costumes à cultura.
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“Foro Íntimo” é divagativo o suficiente para acalentar as mais diferentes teses em torno da atuação do judiciário. “Acho que deveríamos ter mais filmes examinando a atuação do judiciário”, opina Mehedeff com a consciência de que seu filme é um necessário ponto de partida.