Destaque na Flip, Conceição Evaristo reafirma importância da coletividade negra

Escritora revela que todo fruto de seu trabalho vem da luta coletiva e que o "sucesso individual é bom, mas que esse sucesso tem que repercutir"

Conceição Evaristo recorda que sua primeira vez na Flip foi quando o escritor Toni Morrison esteve no Brasil, em 2006. Desde então, a escritora sempre tentou marcar presença no evento e, na maioria das vezes, esteve em Paraty como convidada.

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Foto: Livia Wu
Conceição Evaristo terá painel na FLIP 2019

“Em 2016 eu estava na Flip  como convidada do Itaú Cultural e no mesmo momento tinha um grupo dos pessoais negros do Rio de Janeiro que construiu um manifesto criticando a ausência de escritores negros na Festa Literária Internacional de Paraty”, relembra Conceição Evaristo  .

Conceição considera a Flip de 2017 como o melhor momento e recorda ter sido “uma das convidadas especiais do evento, que tinha curadoria da Joselia”, referindo-se a escritora Joselia Aguiar. Nesta quinta-feira (11) ela retorna a Flip em um painel promovido pelo Itaú Social, sobre "Escrevivências e andanças: prazer em ler, direito a escrever" ao lado de Jessé Andarilho e Claudileude Silva para falar sobre a escrita como um ato político.

Quando questionada sobre sua expectativa para este painel, ela não escondeu o entusiasmo: “Acho que vai ser um debate bastante interessante, cada um partindo da sua realidade de trabalho e suas experiências. Fazer esse cruzamento numa única mesa”.

Sobre seus colegas de mesa na Flip, a escritora revela que só encontrou com Jessé algumas vezes e que ainda não conhece Claudileude: “Eu acredito que vai ser um bom encontro, porque o Jessé tem uma experiência de criação literária e do texto literário de encontro com o público, de uma maneira bem calorosa, e Claudileude também pelo trabalho dela com as bibliotecas populares e comunitárias”.

Um dos desejos de Conceição é que o livro seja de todos e que isso se torne possível de uma forma democrática para toda sociedade: “Procuro pensar dessa forma para este veículo da literatura e eu acho que o Jessé e a Claudileude devem pensar por aí também”.

Carreira de Conceição Evaristo

Foto: Reprodução/Instagram
Conceição Evaristo aposta na coletividade para suas obras

Conceição escreve desde os anos 90 e é considerada uma das principais escritoras negras do País. “Esse espaço [de fala] não foi construído hoje, é um espaço que eu venho construindo desde os anos 90 com a intervenção do movimento social negro”, explica.

“Esse foi o primeiro lugar de recepção do meu texto, com mulheres e homens levando meus textos para trabalhar em salas de aulas. Esses textos vão ganhando mais espaços e extrapolam o espaço da leitura brasileira, ganham até o público estrangeiro”, conta com orgulho de seu trabalho.

Ainda sobre ter o lugar de fala, a poetisa acredita que a mídia tem ajudado bastante nesse assunto e o que a deixa mais forte nesse meio é a coletividade: “O que me sustenta é saber que eu tenho uma coletividade, que eu represento e isso é uma responsabilidade que eu levo para o meu texto. Não estou falando apenas de uma experiência pessoal”.

Coletividade talvez seja a palavra que representa o trabalho de Conceição Evaristo, pois durante toda a conversa ela deixa isso explícito, sendo possível notar o orgulho em produzir algo que vai além do seu sucesso individual: “Talvez eu fale muito mais de uma experiência coletiva, porque as personagens negras que eu crio, a ficção que eu crio, não é necessariamente minha experiência pessoal como sujeito”.

“A minha experiência é essa coletividade de origem que eu pertenço e ao mesmo tempo tem uma recepção muito boa com meu trabalho”, fala com certo carinho. Suas obras também tem alcance cada vez maior e ela conta que tem vivido momentos muito importantes: “Brancos, homens e mulheres, brasileiros e estrangeiros, recepcionam minha obra e fazem uma leitura muito sensível”.

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Foto: Reprodução/Instagram
Conceição Evaristo é sempre tema de eventos literários e incentivo a escrita

A autora também é sempre homenageada em eventos, prêmios e esse ano será homenageada na Olímpiada da Língua Portuguesa de 2019. “É muito bom e eu acho que é isso que todo escritor quer”, revela.

“Se um escritor fala que não se incomoda com o público, ele está fazendo charminho. Porque quem não quer ser lido, não publica. A partir do momento que você publica, tem a expectativa de ser lido”, fala em meio a risadas. “Então essa recepção me deixa muito feliz, no sentido de discutir sobre a literatura ‘ser universal’”, conclui.

Tratar a literatura como algo universal é uma das “causas” que Conceição apoia, pois está sempre questionando este meio: “Uma das coisas que a gente discute muito é que se é uma literatura universal, porque certas experiências não são retratadas nessa literatura? Porque certos modos de vida não são retratados nessa literatura?”.

Suas obras

Foto: Reprodução/Instagram
Conceição Evaristo não esconde orgulho de suas obras atingirem diversas pessoas

Uma das características dos textos de Conceição Evaristo é a forma como ela trata a população negra, sempre trazendo elementos que remetam as origens: “O texto que eu produzo traz a experiência de uma coletividade negra. Ele traz elementos das culturas africanas, uma maneira dos povos descendentes e uma experiência muito especifica que contamina quem não tem nada a ver com essa realidade”.

Ela também reconhece que sua escrita tem valor universal: “Até com certa vaidade, meu texto tem um valor universal e isso dá sentido a leitura, na medida em que seu texto convoca as pessoas. Isso é muito bom e todo escritor quer”, confessa.

Conceição observa que nos últimos tempos, suas obras têm cada vez mais atingido o público jovem: “Esse público, inclusive, tem idade para ser meu neto e meus textos mostram pra eles a minha experiência”.

A autora também cita um exemplo da própria Festa Literária de Paraty, onde um grupo de meninas que vão lançar um livro pediram que ela fizesse o prefácio da obra: “Lá na Flip vai ser lançado o livro de meninas que produzem Slam e elas são bem jovens, tem idade para serem minhas netas, e me pediram para prefaciar esse livro”.

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Inspiração para os jovens

Foto: Reprodução/Instagram
Conceição Evaristo acredita que jovens se identificam com sua trajetória

“Acho que os jovens estão a procura de certa coerência na vida e acho que quem acompanha minha trajetória, sabe que eu tenho uma postura de diante de diversas situações”, conta.

Conceição acredita que é dessa inspiração que os jovens estão precisando e que nela conseguem encontrar uma confiança. “Eles precisam ter certa diretriz e acho que eles confiam e sabem do meu esforço, além da valorização na luta coletiva”, explica.

Conceição Evaristo  , nos seus 72 anos, já é uma escritora consolidada, mas confessa que o mais importante para ela é a luta coletiva: “Hoje, mais do que nunca, precisamos pensar na luta coletiva. O sucesso individual é bom, mas esse sucesso tem que repercutir de certa forma e acho que no meu caso, ele repercute como forma de exemplo de caminhada”.