No fim de 2018, o mercado editorial sofreu uma de suas maiores quedas (e quebras) no Brasil. O fechamento de grandes livrarias como Saraiva e Cultura, responsáveis por 40% da venda dos livros no País, foi o que movimentou o assunto em torno da crise no setor literário .
As duas maiores livrarias do país, Saraiva e Cultura, entraram em processo de recuperação judicial , fecharam diversas lojas em várias cidades, ficaram devendo mais de R$ 300 milhões para editoras e patrocinaram uma demissão em massa. Mesmo com essa crise no setor literário , em questão de vendas de livros, 2018 foi superior a 2017.
Segundo números divulgados pela Associação Nacional de Livros – ANL, foram vendidos 53.916 livros em 2017, e em 2018 esse número subiu para 53.974, tendo uma diferença de 58 unidades. Com a crise das duas livrarias, editoras como a Companhia das Letras, Record e Sextante começaram 2019 com valores abaixo do orçamento. Já os números de 2019 também não são muito atraentes, a ANL divulgou que até até abril de 2019, o melhor mês de vendas de livros foi janeiro, com 4.919 exemplares vendidos.
A escritora Clara Savelli revela ter se sentido desesperada quando a “bomba literária” estourou. “A princípio eu fiquei muito nervosa em relação ao fechamento das editoras e livrarias, as demissões em massa que aconteceram. Fiquei apavorada não só como escritora, mas como leitora”, fala.
Mesmo sendo tempos sombrios para o mercado literário, a esperança de reinvenção continua acesa. A escritora e sócia-fundadora da Editora Duplo Sentido, Vanessa Marine, também acredita que é um momento de reinvenção.
“Muitos desses profissionais estão se reinventando junto com os novos tempos, e muitas editoras bacanas e de qualidade estão surgindo. Estamos vivendo uma era de reinvenção, por mais triste que seja ver algumas empresas ruindo, do meio desses escombros estão surgindo novas ideias para o mercado”, conta Vanessa.
A escritora Larissa Siriani confessa que no momento em que o setor literário teve todo esse baque, ela sentiu uma união de editores, leitores e escritores: “Eu senti união e proatividade com relação a editores, leitores, escritores, pois estavam pensando em alternativas para não deixar a peteca cair. Eu não vejo leitores parando de ler, escritores parando de escrever e nem editores desistindo de suas publicações. Até porque a gente nunca teve um mercado literário bom, estável e bacana no Brasil. Isso nunca foi nossa realidade”.
Janaína Rico, da Rico Editora, revela quem é o grande vilão da crise do setor literário: "A pirataria me parece o grande vilão, mas não é o único. As pessoas não são mais leitoras com tantas alternativas como Youtube, Netflix e afins. Precisamos com urgência formar novos leitores".
É importante entender que a crise que se instalou nesse meio, não foi de fato em editoras, mas sim por uma “quebra” em dois dos maiores grupos de livrarias. Segundo Rafael Sento Sé, do Grupo Editorial Record , a editora registrou um crescimento de mais de 20% no faturamento, na comparação entre os cinco primeiros meses de 2018 e 2019.
“A crise que tanto se alardeia é pontual, localizada nas duas maiores redes varejistas de livro, e não do produto livro em si. O Grupo Editorial Record registrou nos primeiros cinco meses de 2019 um crescimento de quase 25% no faturamento em relação ao mesmo período do ano passado”, compara a presidente do Grupo, Sônia Jardim.
Mas como escritores independentes, editoras grandes e pequenas têm feito para driblar esse mau momento do setor livreiro?
Escritores independentes
Larissa Siriani escreve profissionalmente há 10 anos, e durante esse tempo já passou por editoras, levou calotes e agora concilia a vida de escritora independente com sua atual "casa", o Grupo Editorial Record onde lançou os livros “Amor Plus Size” e “O Amante da Princesa”. Larissa revela que entre as dificuldades da vida de autora independente, a mais importante é saber gerir as coisas.
“Você precisa fazer tudo, não tem ninguém que faça as coisas pra você e as coisas são descobertas na base da tentativa e erro. Então é muito tato, ir conhecendo as pessoas e aos poucos ir descobrindo o que dá certo ou não”, conta.
Há pouco tempo, Larissa “comemorou” em seu Facebook os 7 anos do primeiro calote que levou como escritora: “Foi o primeiro calote significativo que eu tive. Tomei outros depois, inclusive maiores, mas foi a primeira vez que eu fui realmente enganada por uma empresa que tinha me prometido uma coisa, e uma coisa que eu queria muito, que era ir para a Bienal do Livro de Belo Horizonte”.
Ela também revela que passar por esse problema a ajudou a ter mais consciência sobre como funcionava esse meio. “Isso me ajudou a perceber que ‘beleza, estou sozinha nas minhas próprias responsabilidades, mas isso acontece com muita gente’. Foi bom que me ‘ajudou’ a ficar mais atenta, o que não adiantou nada, porque eu fui enganada depois. Mas acho que me ajudou a criar certo senso de proteção”, relembra.
Clara Savelli escreve profissionalmente desde os 16 anos e começou publicando “Mocassins e All Stars” no Orkut, e ela acredita que a maior dificuldade desse meio é a questão financeira: “É tudo muito caro, então você tem que ter renda de outro lugar pra conseguir financiar sua vida literária independente”.
Clara também revela que na Bienal de São Paulo de 2018 ela carregou uma mala com livros que pesava 80 kg. “Fui empurrando da porta da Bienal até o estande, foi ótimo”, ironiza a carioca em meio a risadas.
Ela foi recentemente anunciada como autora pela Intrínseca, onde irá lançar o livro “As Férias da Minha Vida” e revela que ficou semanas sem acreditar no que havia conseguido. “Passei semanas sem acreditar, rindo e chorando junto. A sensação é muito gratificante, eu não sei nem o que esperar”, conta.
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Novas editoras
Vanessa Marine é sócia-fundadora da Duplo Sentido Editorial, uma editora que está no mercado há 3 anos. A vontade de abrir a própria editora surgiu em ver que novos autores nacionais nem sempre tinham muito espaço, e isso a deixava frustrada.
“Na minha época não tinha muito espaço para novos autores nacionais, e isso me deixava muito frustrada. Sabia que se eles fossem bem trabalhados, venderiam tanto quanto os autores internacionais”, conta.
Janaína Rico criou a Rico Editora há dois anos e a ideia veio após uma enorme raiva que passou. “Mesmo sendo uma escritora renomada, com vários leitores e números, as editoras me propuseram um contrato completamente abusivo para o meu livro ‘Um doce de confeiteiro’. Então, resolvi que não passaria mais por aquilo e vi como uma missão de vida ajudar autores a terem contratos bacanas”, relembra.
Driblando a crise
Larissa Siriani lançou em 2018 o financiamento coletivo da sua primeira série de livros, “As Bruxas de Oxford”. A ideia da campanha nasceu após ela perceber que isso já tinha dado certo com outras pessoas, ela também enxerga essa atitude como uma mudança no meio do caos literário: “Talvez o financiamento coletivo foi uma dessas mudanças, porque você perceber que isso é uma possibilidade é fruto também de uma dificuldade de mercado”, confessa.
A escritora revela que na época do financiamento não esperava que fosse alcançar tantas pessoas: “Não esperava absolutamente nada. Eu lancei a campanha crente de que eu não ia conseguir nem os 5 mil [reais] que eu tinha pedido, tanto que eu acabei tendo muito prejuízo depois, mesmo tendo ultrapassado todas as metas”.
Clara Savelli também lançou sua campanha de financiamento coletivo em comemoração aos 10 anos de “Mocassins e All Stars”. “Eu estava com bastante medo, porque ele é um livro muito batido já. Ele foi publicado pela primeira vez em 2014, e teve a segunda edição em 2015. De lá pra cá já foram vendidos mais de 1000 exemplares de forma independente. Pensei ‘será que alguém ainda vai querer comprar isso?’”. conta.
Já as editoras têm investido em novas coisas para atrair os leitores, como o Grupo Editorial Record, que lançou um clube de livros, o Clube de Romance da Carina. “A curadoria de uma das nossas autoras nacionais de maior sucesso, a Carina Rissi. A cada dois meses os assinantes recebem dois livros, sendo um inédito e outro do catálogo selecionado pela Carina”, conta Rafael Sento Sé.
Rafael também revela que com a crise das duas maiores varejistas, o Grupo “reforçou o critério na contratação de novos livros em todas as categorias, tanto na ficção quanto na não-ficção e no desenvolvimento pessoal, para seguir oferecendo um mix de títulos variados e relevantes”.
Vanessa Marine, da Duplo Sentido Editorial, acredita que editoras como a dela, “que não dependem muito ou exclusivamente de venda das livrarias endividadas” e explica que por isso “sempre tenta manter um preço justo” em seus livros. “Sempre tem um aqui e outro ali que reclamam dos valores, mas nós, por exemplo, oferecemos e-books gratuitos, livros mais baratos do que algumas outras editoras, promoções... Na Duplo Sentido existem livros para todos os bolsos”, conta.
Mesmo em meio ao caos no setor literário , a Duplo Sentido mantém uma marca registrada: frete grátis. Vanessa revela que ter essa cultura em sua editora “não pesa no nosso bolso [dela e de suas sócias] e acaba atraindo muita gente, principalmente de estados mais distantes de São Paulo, onde normalmente é cobrado um frete mais caro”. A reportagem contatou as editoras Todavia e Companhia das Letras para saber como elas estão driblando essa crise, mas não houve manifestação por parte delas.