Abril foi um mês de sobressaltos no meio cultural brasileiro. Primeiro, o governo anunciou o corte do patrocínio de empresas estatais, como a Petrobras, a eventos tradicionais — grandes festivais de cinema e teatro entre eles. Na sequência, foi publicada a Instrução Normativa (IN) que alterou a Lei Federal de Incentivo à Cultura (a popular Lei Rouanet), baixando o teto para R$ 1 milhão com exceções.

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Com um teto de R$ 1 milhão, os produtores culturais buscam alternativas
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Com um teto de R$ 1 milhão, os produtores culturais buscam alternativas

Tomadas de maneira simultânea, as medidas deixaram o setor em alerta. Mas, conforme os dias foram passando (e as datas dos eventos atingidos foram se aproximando), os produtores culturais começam a se mexer em busca de alternativas para garantir seu futuro. Entre as saídas estão projetos de financiamento coletivo — nova aposta do Anima Mundi, por exemplo — e projetos financiados por endowments .

Vale lembrar que, de acordo com um estudo feito pela Confederação Brasileira dos Municípios, apenas 10% dos recursos da cultura vêm do incentivo federal — centralizado no Rio e em São Paulo. Estados e municípios, que possuem seus próprios mecanismos de incentivo — baseados em renúncia de ICMS e ISS —respondem, respectivamente, por 60% e 30% do apoio.

"A maioria do setor não foi atingido diretamente", crava Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, braço da empresa que mais investiu em cultura em 2018. 

Financiamento coletivo

Rodrigo Maia, um dos fundadores da Catarse, primeira plataforma de financiamento coletivo do Brasil, acha a iniciativa não apenas viável como promissora: "Eu percebo que há muita gente tentando entender os novos caminhos possíveis. A sociedade civil terá, cada vez mais, de assumir o protagonismo na cultura". 

Quando a Catarse entrou no ar, em 2011, já eram evidentes as barreiras que a Lei Rouanet impunha aos estreantes, por exemplo. "A grande anomalia da lei sempre foi a falta de democratização", reforça Maia.

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E ele não se refere apenas aos produtores, mas aos patrocinadores. Por suas características, o mecanismo só é viável para empresas que têm grandes volumes de imposto a pagar e usam o sistema de Lucro Real Anual — concentradas no eixo Rio-São Paulo. No financiamento coletivo, qualquer pessoa pode viabilizar um projeto de seu interesse.

"A doação de pessoa física, e outras alternativas, como os endowments, já são uma realidade e terão de ser cada vez mais exploradas", defende Lucimara Letelier, pesquisadora especializada na busca pela sustentabilidade de instituições culturais. "Há 15 anos, isso tudo seria mais difícil. Hoje, a tecnologia facilita."

"Todos perdem"

Segundo o último Mapeamento da Indústria Criativa, organizado em 2017 pela Firjan, o setor de cultura emprega 65 mil profissionais no Brasil. Ainda que muitos projetos e eventos sobrevivam, o consenso é que setor deve encolher economicamente — a começar pelos musicais, um dos segmentos mais prejudicados pelo novo teto de captação de R$ 1 milhão.

E, ao contrário do que prega o ministro da Cidadania, Osmar Terra, os supostos beneficiados acreditam que a nova IN não proporciona desconcentração de recursos e nem ajuda iniciantes.

"Em termos práticos, não somos atingidos porque nunca conseguimos captar pela Lei Rouanet", diz Heraldo HB, um dos criadores do Cineclube Mate com Angu, coletivo audiovisual da Baixada Fluminense que vive da venda de cerveja nos eventos, vaquinhas e editais do Sesc e de prefeituras. "Mas é óbvio que também não vamos ganhar nada com isso."

Paulo Faria, que há 20 anos fundou a Cia. do Faroeste, em São Paulo, é outro que vê a ideia de democratização como uma falácia. Ele, que nunca conseguiu captar pela Lei Rouanet, está certo de que continuará fora do rol de beneficiários: "Ninguém ganha e todos perdem".

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Se Faria critica enfaticamente a nova IN é porque antevê que ela gerará desemprego e minará justamente as iniciativas de cunho mais comercial. "Todos, na minha companhia, vivem com um cachê pequeno, permitido pela Lei do Fomento  [municipal] . Essa é uma escolha nossa. Mas havia quem quisesse trabalhar numa estrutura de indústria, e isso era bom. Agora a única opção será a da contracultura", finaliza. 

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