A instrução normativa para a Lei Federal de Incentivo à Cultura (ex-Lei Rouanet), publicada nesta quarta-feira (24) no Diário Oficial da União, confirmou que o novo teto de captação - R$ 1 milhão – não será aplicado à conservação e restauração do “patrimônio cultural material e imaterial” e a projetos relacionados a “museus e memória”.

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Museu Nacional
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Museu Nacional

Segundo museólogos ouvidos pelo Globo , os dispositivos da nova Lei Rouanet , por serem idênticos aos da antiga, não representam avanços para a proteção e valorização do patrimônio histórico brasileiro. 

Nem medidas como projetos fora do eixo Rio-SP e a instituição do teto de captação para diversas áreas – como o teatro – tendem a resultar em mais recursos para restauros. 

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O patrimônio histórico costuma receber pouca atenção das empresas interessadas em investimentos culturais. Segundo Daniele Torres, museóloga e diretora da Companhia de Cultura, as empresas costumam investir em projetos que lhes tragam visibilidade, causem impacto nas comunidades onde elas atuam e agradem colaboradores e investidores. A conservação do patrimônio histórico acaba não sendo prioridade. Os governos, afirma Daniele, "devem liderar os investimentos na preservação da memória".

"Precisamos de políticas culturais e, principalmente, de políticas públicas de preservação do patrimônio histórico. Se o governo não tomar a frente, vamos continuar assistindo a tragédias como a do Museu Nacional (destruído por um incêndio em setembro de 2018)", disse.

"Não adianta abrir mão do dinheiro dos impostos e deixar as empresas escolherem no que investir. A Lei de Incentivo não dá conta das gigantesco patrimônio histórico brasileiro. A Lei de Incentivo à Cultura funciona  bem para projetos que dão visibilidade aos investidores, mas projetos de restauro são caros, de longo prazo e oferecem pouca visibilidade".

A Lei cultural original, lembra Daniele, previa outras fontes de financiamento que seriam muito úteis à preservação do patrimônio histórico, como o Fundo Nacional da Cultura e o Fundo de Incentivo Cultural à Arte (Ficarte). A doação de pessoas físicas e de empresas locais também ajudariam a financiar a manutenção patrimonial.

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O museólogo André Angulo, do Museu da República, afirma que a nova Lei não contemplou discussões recentes relativas à preservação do patrimônio, como os endowments e a Declaração de Interesse Público, instituída pelo Estatuto dos Museus, e que protege bens que, apesar de seu valor histórico, não são tombados.

A criação dos endowments – fundos patrimoniais – foi regulamentada pela Lei 13.800/2019, sancionada em janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro. Os fundos patrimoniais recebem doações de pessoas físicas e jurídicas e podem financiar a manutenção de bens culturais, como museus, e do patrimônio histórico. O incêndio no Museu Nacional acelerou aprovação dos endowments.

"A instrução normativa não faz nenhuma menção aos endowments. Sem políticas públicas, sem fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura e sem a possibilidade de descarregar recursos via endowments, nada vai mudar para o patrimônio histórico", disse Angulo.

"Continuaremos com os mesmos problemas e a mesma penúria. Quem vai ser contemplada com recursos da Lei não é a Igrejinha de São Pedro da Itapiroca, mas, no máximo, a Igreja da Candelária. A nova Lei, na minha opinião, só joga para o eleitorado o presidente".

Juliana Grillo, diretora do Multicult, empresa responsável pelo projeto de restauro do casarão que servia como sede da Rede Ferroviária Federal, em Belo Horizonte, reconhece que redução dramática do teto de captação pode punir outras áreas que são tão carentes como a preservação do patrimônio histórico.

"A área de patrimônio histórico e museus é muito carente, temos muitos espaços praticamente abandonados que precisam de atenção", disse. "Mas a atenção ao patrimônio não pode acontecer em detrimento de outras áreas que também são importantes e que estão fazendo um bom trabalho. Espero que haja concessões para outras áreas, além da preservação histórica e dos planos anuais.

A restauração do casarão ferroviário está ocorrendo em três partes. A primeira, de preparação do prédio para o restauro, captou R$ 1,7 milhão via Rouanet. A segunda, em andamento, tem orçamento de R$ 2,2 milhões, também obtidos via Lei de Incentivo à Cultura . O antigo casarão abrigará um centro cultural.

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Procurado pela reportagem, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) afirmou que nada mudou com a publicação da nova instrução normativa da Lei Rouanet , que agora tem uma nova nomenclatura. 

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