"Se a Rua Beale Falasse" usa história de amor para expor perversidade do racismo

Novo filme de Barry Jenkins, do oscarizado "Moonlight", concorre a três Oscars e estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta (7); leia a crítica

Há diversas formas de se abordar o racismo em seu viés institucionalizado, mas fazê-lo por meio de uma história de amor é uma opção mais do que inusitada, arriscada. Após o ganhar o Oscar com “Moonlight: Sob a Luz do Olhar”, Barry Jenkins assumiu esse desafio. “Se a Rua Beale Falasse”, adaptado do romance homônimo do pensador e ativista negro James Baldwin, é lindo e cativante como uma tarde outonal, sem deixar de ser pesado e doloroso como um soco no estômago.

Cena de Se a Rua Beale Falasse, que estreia nesta quinta-feira (7) nos cinemas brasileiros
Foto: Divulgação
Cena de Se a Rua Beale Falasse, que estreia nesta quinta-feira (7) nos cinemas brasileiros

Fluindo por tempos diferentes, “Se a Rua Beale Falasse” conta a história de Tish (Kiki Layne) e Alonzo ‘Fonny’ Hunt (Stephan James), um jovem casal apaixonado e cheio de planos que tem a vida afetiva interrompida quando ele é acusado de estupro e preso.

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Ao invés de focar na atribulada tentativa de provar a inocência de Fonny ou na sacrificada vida de Tish, que se descobre grávida tão logo o pretenso namorado, eles nem sequer haviam formalizado nada, foi preso, o longa, também roteirizado por Jenkins, opta pela generosidade, pelo brio de quem opta pelo amor em detrimento do rancor, do ódio e da amargura.

Vemos Fonny padecer, Tish esmorecer, sua família fazer das tripas coração parar ajudar no sustento dela e da criança que virá ao mundo e custear a defesa de seu amado, mas vemos tudo isso por meio do olhar poético e esperançoso de Barry Jenkins , temperado pela arrebatadora trilha sonora de Nicholas Britell e pela fotografia crepuscular e afetiva de James Laxton.

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A maneira como Jenkins conta essa história é poderosa, ainda que o seja de uma maneira distinta de outras produções que se debruçaram sobre o racismo institucionalizado em 2018, e sensorial.

Mostrar uma história de amor modificada por uma grande injustiça é cinematograficamente potente, ainda que Jenkins opte pela sutileza do registro em todas as oportunidades possíveis. São nos diálogos achados e nos momentos íntimos que todo o horror, e o pavor inerente, ao racismo surgem nauseantes. Nesse sentido, a curta, mas precisa participação de Brian Tyree Henry (de “Atlanta” e que também pôde ser visto em “As Viúvas” em 2018) é eloquente. Ele faz um amigo de Fonny que também foi preso injustamente e conta um pouco de sua experiência atrás das grades, de como aquilo o modificou profundamente.

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Não é só uma linda história de amor

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Regina King, indicada ao Oscar 2019 como atriz coadjuvante, em cena de 'Se a Rua Beale Falasse'

A resiliência do amor pode parecer a matéria-prima de Jenkins e Baldwin aqui e de certa forma é, mas também a retidão de caráter, a empatia e a generosidade. Os pais de Tish, vividos com graciosidade e esmero por Regina King e Colman Domingo, são bons exemplos disso. Em praticamente todos os momentos que eles estão em cena, eles poderiam fazer escolhas diferentes, mais defensivas e menos generosas e ainda assim humanas, mas a bagagem desses personagens os colocaram em outra exclamação.

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A tristeza é perene em “Se a Rua Beale Falasse” , um filme que se formaliza como denúncia do racismo com esperança e assertividade, mas não é protagonista. A força desses personagens, o desejo constante de reclamar posse de seus destinos ecoa forte no público. É essa capacidade de ver além do óbvio massacrante da rotina que torna o filme tão especial.