“As Viúvas” se assume como filme de arte para subverter lógica do blockbuster
Filme que reúne diretor de "12 Anos de Escravidão" com roteirista de "Garota Exemplar" e "Sharp Objects" é um dos grandes hypes de 2018
Um dos projetos mais hypados de 2018, “As Viúvas” se alimenta da hesitação entre ser um filme de assalto de arte ou um filme de arte de assalto. Isso por conta dos nomes envolvidos na obra. A direção é de Steve McQueen de “Shame” (2011) e “12 Anos de Escravidão” (2013), o roteiro é de Gillian Flynn e o elenco é um desfile encabeçado por Viola Davis em um papel primeiramente imaginado para uma mulher branca.
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Todos os ingredientes estão lá e “ As Viúvas ”, orçado em US$ 45 milhões, se tornou o filme de arte mais caro do ano e financiado por um estúdio que acreditou que McQueen pudesse obter êxito comercial e artístico com uma produção talhada para agradar tanto acadêmicos como o espectador médio. Se esse objetivo não é atingido plenamente, os dividendos obtidos são mais do que satisfatórios.
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A combinação do vigor e da criatividade de McQueen com o talento de Gillian Flynn para esculpir personagens femininas densas e complexas rende extratos interessantíssimos. O elenco, claro, é outro atrativo poderoso. Viola Davis, Liam Neeson, Colin Farrell, Robert Duvall, Michelle Rodriguez, Jon Bernthal, Carrie Coon, Elizabeth Debicki, Daniel Kaluuya e Jacki Weaver sustentam a curiosidade da audiência mesmo quando o filme parece adormecido.
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O grande mérito do longa reside na maneira como entranha os conflitos pessoais das personagens nas articulações macroeconômicas de Chicago, cidade em que se passa a história. Nesse contexto, as tensões raciais surgem como uma fina reflexão de Steve McQueen, o que pode ser percebido desde o primeiro frame do filme – um demorado e apaixonado beijo entre Neeson e Davis -, até o sofrido itinerário de Belle (Cynthia Erivo) entre trabalhos e ainda em uma conversa na limusine do candidato a vereador vivido por Farrell.
É esse olhar cheio de significados e significantes para cenas aparentemente banais que torna “As Viúvas” uma experiência mais sofisticada, o que não afasta certa frustração com sua trama principal. A impressão que se tem ao fim da projeção é que o filme de gênero prometido não foi entregue, mas que talvez algo melhor tenha sido ofertado à audiência. A desorientação, no entanto, não joga a favor da produção.
Outro aspecto positivo é a forma perspicaz com que a realização opõe masculino e feminino. Não há homens bons aqui e a grande maioria das mulheres também não são lá flor que se cheire. A economia com que as personagens femininas são construídas representa um dos grandes feitos do longa. A personagem de Viola, por exemplo, é uma dondoca alienada que decide assumir as rédeas de sua vida mesmo quando seu finado marido insiste em dar as cartas. Há, ainda, Alice, defendida com fúria e desimpedimento por Debicki, que ostenta a melhor atuação da fita.
Os detalhes remontam ao todo das personagens. Alice, por exemplo, cresceu sob a expectativa de que o homem deve prover para a mulher e que ela deve aturar determinadas coisas em troca disso. Ela não dirige um carro, parece incapaz de criar as próprias convicções e é extremamente vulnerável emocionalmente. Algo que o filme apresenta brilhantemente em uma cena, a única de Jacki Weaver, em que ela conversa com sua mãe.
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Se a trama principal, o plano e o assalto, se revela insatisfatória, “ As Viúvas ” se robustece com os detalhes de um filme sem embaraço de assumir que suas personagens, e o que elas representam, importam mais do que o exercício de gênero pretendido.