Ele já foi Paulo Coelho, Raul Seixas e Gonzaguinha, já cantou para espantar e atrair o amor, já teve vários nomes e várias identidades. Nos últimos anos, ele se reveza entre um advogado preso injustamente e transformado em traficante – ou um bom mentiroso – e um médico com recursos limitados tentando salvar vidas em um hospital público do Rio de Janeiro. As facetas de Julio Andrade são muitas, e seus trabalhos, como protagonista ou coadjuvante, se somam ao longo da carreira que começou em 1998.

Indicado ao Emmy pela segunda vez, Julio Andrade vive melhor momento da carreira com
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Indicado ao Emmy pela segunda vez, Julio Andrade vive melhor momento da carreira com "Sob Pressão" e "1 Contra Todos"

Só em 2018 ele pode ser visto em dois canais de TV, além de estrelar dois filmes nacionais. Com 42 anos, Julio Andrade acumula uma carreira elogiada e desde setembro uma segunda indicação ao Emmy Internacional pelo Cadu da série “ 1 Contra Todos ”. Apesar de tantas ocupações, porém, Julio não acha que trabalha muito. “Não me interessa o volume e sim a qualidade”, explica o ator em uma conversa por telefone.

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Com Marjorie Estiano em "Sob Pressão"

Ele fala com calma e toma seu tempo, enquanto comenta sobre seu ofício com muito carinho. Para ele, a construção dos personagens é algo que precisa ser vivo dentro de si: “Eu vou vivendo (o personagem), eu não consigo construir racionalmente meus personagens. É muito intuitivo o que eu faço”, explica. Ainda assim, é necessário certo controle para sair da pele de Cadu e se transportar para Evandro em “ Sob Pressão ”, atualmente no ar na Globo , mas ele insiste que consegue “virar a chave” com facilidade.

Cadu surgiu em 2016 com a estreia de “1 Contra Todos”, série original da Fox Networks Group e que é transmitida no  Fox Premium e no aplicativo da Fox. O personagem é um advogado desempregado que acaba preso ao ser confundido com um grande traficante. Para se virar na prisão, ele acaba incorporando a personalidade que não é sua e vive a vida desse traficante. Ao longo das temporadas, muito aconteceu na vida de Cadu, e são essas possibilidades que atraem Julio para o papel.

“É sempre uma surpresa quando eu recebo uma nova temporada. Eu nunca sei para onde o Cadu vai”, comenta. “O grande barato é esse. É muito diferente de tudo o que eu fiz”, completa. Inquieto, ele confessa que gosta de experimentar. Foi assim que se dedicou a três novelas entre 2008 e 2010: “Ciranda de Pedra”, “Caminho das Índias” e “Passione”. Mas, logo percebeu que o formato não servia para ele.

“Eu vejo meus colegas e penso ‘caramba como conseguem fazer’. É difícil se concentrar, eu não funciono assim, tenho que ter mais tempo”, explica. Mas o “experimentar” guia sua carreira e o trouxe às duas produções que lidera hoje e a segunda indicação para a maior premiação da televisão. Andrade concorre na categoria Melhor Ator ao lado do dinamarquês Lars Mikkelsen, o canadense Billy Campbell e o turco Tolga Saritas. “Ter sido indicado de novo é maravilhoso. Me faz pensar que realmente trabalhar com amor tem suas compensações. Só tenho a agradecer por tudo”.

De Porto Alegre para o Emmy

Como Cadu em
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Como Cadu em "1 Contra Todos"

Para chegar até aqui, porém, Julio percorreu um longo caminho, que começou em Porto Alegre (RS), sua cidade natal. Ele já fazia alguns trabalhos publicitários quando participou do curta-metragem “Velinhas”, em 1998. Optou pelo caminho mais longo – longe das novelas, mas sempre presente na TV. Seus créditos incluem “A Grande Família”, “Carga Pesada”, “Força-Tarefa”, “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes” e mais recentemente “O Rebu” e “Justiça”.

“Eu acho que eu escolho bem os personagens, depende do momento que estou vivendo, da minha necessidade como artista”, conta. “Eu fazia curtas em Porto Alegre, fiz teatro, fiz novela, fui para São Paulo, voltei para Porto Alegre, fiz ‘Cão Sem Dono’, depois fui para o Rio com 500 reais no bolso”, resume.

De fato o protagonista Ciro em “Cão Sem Dono”, de 2007, foi um divisor de águas em sua carreira. Antes disso ele já havia participado de “O Homem que Copiava”, “Meu Tio Matou um Cara” e “Batismo de Sangue”, mas o papel lhe deu novo status e o colocou entre os grandes do cinema nacional, ao lado de nomes como Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa e Selton Mello.

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Em "Cão Sem Dono", divisor de águas na carreira

Andrade acumula 25 longas na carreira, 18 deles só na última década. Ele esteve em “Serra Pelada”, “Trash”, “Reza a Lenda”, “Elis” e “Malasartes e o Duelo com a Morte”, entre outros. Nas biografias, assumiu os protagonistas de “Não Pare na Pista” e “Gonzaga - de Pai para Filho”.  Em 2018 fez parte de duas histórias que misturavam música e amor: “Paraíso Perdido” e “Todas as Canções de Amor”. No primeiro canta ao lado do Tremendão Erasmo Carlos e no segundo divide os vocais com Gilberto Gil.

A música sempre fez parte da trajetória artística de Julio, e não sem querer. “Eu vivi muito tempo com a música, tinha esse sonho de ser um músico”, confessa. Se a carreira musical não veio de forma tradicional, ela se traduziu em belos retratos, como o de Gonzaguinha e mais recentemente o romântico Ângelo de “Paraíso”.

O filme de Monique Gardenberg (“Ó Paí, Ó”) conta a história de uma família nada tradicional que comanda uma boate no centro de São Paulo, onde apresentam sucessos da música brega. Ângelo tem uma filha e vive em busca da mulher amada, que o abandonou anos antes.

“Eu gosto muito do trabalho da Monique porque ela leva para um universo lúdico, irreal – ao mesmo tempo esse filme fala muito com o que a gente está vivendo agora, semeando tanto ódio e não respeitando as opções das outras pessoas”, comenta.

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Embora trate de temas sérios como homofobia, o filme o faz de maneira leve, e sempre com uma trilha sonora de encher o coração de memória e amor. Foi por isso que Andrade não conseguiu dizer não para o papel. “Eu fiz esses trabalhos para dar um respiro. Vindo de personagens densos queria fazer algo mais tranquilo”, comenta.

Julio Andrade no mundo

Multifacetado: como Gonzaguinha, Raul Seixas e Paulo Coelho em três momentos da carreira
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Multifacetado: como Gonzaguinha, Raul Seixas e Paulo Coelho em três momentos da carreira

Seja cantando o amor no cinema ou empunhando uma arma na televisão, Julio cuida de seus papeis não só para que reflitam certo estado de espírito, mas sirvam como uma forma de provocação: “Eu acho que essa característica (de provocar) existe dentro dos trabalhos que eu faço e acho que é uma maneira de se posicionar politicamente”. Andrade não acredita que questões políticas devam ser o único norte na carreira de um artista, mas um projeto, seja ele no cinema ou na TV, pode abordar temas importantes, como é o caso de “Sob Pressão”, que faz um retrato honesto e triste da realidade do sistema de saúde pública brasileiro.  “Acho que a arte é a nossa posição no mundo”, completa.

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Reprodução/Instagram

Com a esposa Elen e o filho Joaquim

E se for possível expressar isso de diversas formas, por que não? Julio conta que o “bichinho da direção” o está atacando e ele consegue se ver atrás das câmeras no futuro. “Venho sonhando com isso há algum tempo”, confessa. O desejo começou a se tornar realidade, com o convite de Andrucha Waddington para assumir a direção em episódios da série global. Ele dirigiu um capítulo de “Sob Pressão” sozinho e agora se preparar para assumir o comando em parceria com Waddington. “É um lugar que eu me sinto muito à vontade. Agora isso está me cercando e está mais latente ainda essa vontade”.

Com um ritmo de trabalho acelerado e sempre em busca de novos projetos, não é difícil imaginá-lo comandando seu próprio filme nos próximos anos. Enquanto isso, ele segue na Globo e na Fox Premium , que já confirmou uma quarta temporada de “1 Contra Todos”.

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Enquanto não tem novos projetos engatilhados, ele conta qual o papel que está mais empolgado para desempenhar nos próximos meses: o de pai. Julio tem um menino de três anos, Joaquim, fruto do relacionamento com Elen Cunha, a quem pretende dedicar mais de seu tempo nos próximos meses.

Mas, se a inquietude continuar a acompanha-lo, logo veremos Julio Andrade em uma nova pele, vivendo uma nova história e dando ao seu público novas oportunidades de se encantar.

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