"A Favorita" satiriza jogos de poder na Inglaterra do século XVIII

"A Favorita" será exibido no Cinearte Petrobras, às 21h30, nesta quarta-feira (24). Leia a crítica do filme premiado em Veneza e que deve figurar no Oscar

A opulência da corte inglesa do século XVIII é magnificamente capturada por Yorgos Lanthimos nesse seu terceiro filme em língua inglesa, que também é onde o grego está mais contido. O que não quer dizer que a perversidade com que observa seus personagens não se manifeste nessa comédia do absurdo que se pretende “A Favorita”, um filme sobre intrigas palacianas, mas também uma sátira política aguda.

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Emma Stone brilha em A Favorita, que está em cartaz na Mostra de Cinema de São Paulo e estreia comercialmente no Brasil em fevereiro de 2019
Foto: Divulgação
Emma Stone brilha em A Favorita, que está em cartaz na Mostra de Cinema de São Paulo e estreia comercialmente no Brasil em fevereiro de 2019

Como se não bastasse o olhar feroz de Lanthimos, que pela primeira vez não dirige o próprio material, o excelente roteiro é assinado por Tony McNamara e Daborah Davis, “A Favorita” ostenta três atrizes em estado de graça. É difícil apontar quem está melhor, mas Emma Stone certamente tem a personagem mais insinuante e se beneficia candidamente disso.

Quando o filme começa logo percebemos que Sarah Churchill (Rachel Weisz) domina muito tranquilamente a rainha Anne (Olivia Colman), que se comporta infantilmente e não tem a mínima noção de como governar de fato. Além de ter alguns problemas de saúde, a rainha parece somatizar bastante, algo que facilita as abordagens de Lady Sarah para a corte e para o país, em guerra com a França.

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O cineasta grego Yorgos Lanthimos orienta Olivia Colman nos sets de A Favorita

Essa relação já muito cômoda será estremecida com a chegada de Abigail (Stone), uma prima distante de Lady Sarah que perdeu seus títulos por causa dos vícios do pai. Mas como logo percebemos, Abigail é muito hábil em sua promoção e dona de uma elaboração intelectual que não se pode menosprezar. As duas passam a rivalizar pela atenção da rainha e a maneira como esse conflito reflete nos rumos do País, e da guerra, é uma das belezas incontidas da produção.

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Os homens são meros peões nessa batalha em que mulheres miram mulheres e o alpinismo social mede forças com as engrenagens políticas. Lanthimos divide sua obra em cinco capítulos que tangenciam a vaidade e a sede pelo poder como vértices das maquinações políticas. É um espetáculo de luxúria e luxo algo grotesco que ganha comentários particularmente inspirados em uma cena de dança abruptamente interrompida e em outra em que nobres se divertem lançando tomates em um homem.

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São, todavia, os diálogos entre Abigail e Lady Sarah que melhor revelam a sordidez daquele universo-bolha. Há momentos que “Ligações Perigosas” vem à mente, mas a natureza das ações das personagens aqui é mais espúria. Há agendas e outros alinhamentos e não apenas o prazer da manipulação. De toda forma, o parentesco é inegável.

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Rachel Weisz em cena de 'A Favorita': de olho no Oscar 2019

Inegável também é a força criativa do trio de atrizes, que deve se destacar na vindoura temporada de premiações. Emma Stone é um acinte como a engenhosa e abusada Abigail. Rachel Weisz dá dimensão shakespeariana a uma personagem que vai ficando opaca conforme a trama avança, mas que é senhora das melhores metáforas do filme. Até mesmo naquela que ela eventualmente se materializa. Olivia Colman está soberba como essa mulher refém de carência e desejos e que não aceita as próprias inseguranças.

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Teatral e espetaculoso, mas minimalista em aspectos inesperados, “A Favorita” é um triunfo de Yorgos Lanthimos. Além de prover as personagens femininas mais complexas do ano, escancara toda a fanfarronice dos ricos e as manobras políticas impetradas pela manutenção do poder.