“Ana e Vitória” faz um belo retrato de amor e amizade nos tempos de internet
Sem a intenção de ser uma biografia da dupla, filme se desdobra sobre os relacionamentos atuais e faz um belo retrato da amizade feminina
“Eu não me lembro de um período da minha vida quando eu não estava apaixonada”, comenta Ana – a personagem – para Vitória em uma das primeiras cenas do filme “Ana e Vitória” que, misturando ficção e realidade conta a história de Anavitória , composta por Ana Clara Costa e Vitória Falcão.
As meninas que estouraram na internet em 2015 tem, de fato, uma carreira muito curta para virar filme . Embora sejam fenômenos e já tenham conquistado um Grammy Latino, sua trajetória ainda não é extensa o suficiente para se transformar em um longa. Por isso, “ Ana e Vitória ” não é uma biografia, mas sim um retrato de amor e amizade nos tempos da internet, usando a ascensão das meninas ao estrelato como pano de fundo.
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Felipe Simas, empresário da dupla e idealizador do filme, sabia disso e usou seus melhores recursos para oferecer algo que, sabia, as fãs de Anavitória gostariam, ao mesmo tempo em que criava uma obra contemporânea, que a dialogasse com os jovens no geral.
Para isso recrutou Matheus Souza (“Eu Não Faço a menor Ideia Do Que Eu Tô fazendo Com a Minha Vida”), que vem de outros trabalhos que se debruçam sobre a busca do jovem por “se encontrar”, e apostou no desenvolvimento da amizade das duas, enquanto elas navegam por uma onda de amores reais, digitais, distantes e próximos.
Um adolescente que não conhece Anavitória (o que é difícil), ou que não ouve as músicas da dupla (o que não é impossível), vai conseguir se identificar de alguma maneira com essas duas meninas que, enquanto buscam sucesso profissional, tentam se entender com as imensas possibilidades de relacionamentos que lhe são apresentadas.
É assim que Vitória tem sua primeira experiência homossexual, e depois um caso com outra menina, enquanto leva, casualmente, uma relação paralela com um rapaz. Sem compreender o amor intenso que Ana sente, Vitória busca em pessoas diferentes o conceito de amor onde se enquadra.
Enquanto isso, Ana se apaixona perdidamente por meninas, mas tem dificuldade em manter esses amores, tão mutantes quanto qualquer relação que dure.
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Os sons de “Ana e Vitória”
A história do filme em muito se assemelha a da dupla: elas, que estudaram juntas na escola em Araguaína no Tocantins, se cruzam em uma festa e combinam de gravar algumas músicas juntas por diversão. A música, claro, se torna uma personagem na história e, hora ganha ares lúdicos como no belo e longo plano-sequência de abertura do filme, hora se torna real quando elas se apresentam no palco, ou quando comentam sobre as inspirações para suas composições.
A música está no centro de suas vidas e Ana, que compõe as faixas, se inspira justamente em seus intensos amores. O principal deles, com Cecília (Clarissa Müller), ganha mais espaço na tela do que precisava. Ainda assim, é com ela que Ana canta sobre seus sentimentos, desde o amor que explode no começo, até a sensação de aprisionamento no final. Clarissa a acompanha em todas essas faixas e compensa na música a falta de habilidade na atuação.
Apesar de ser a única a dividir os vocais, ela disputa o posto de coadjuvante com os ótimos Bryan Ruffo e Victor Lamoglia como interesses amorosos de Vitória – e a seu meio também duas pessoas tentando encontrar sua forma de amar – além de Thati Lopes (“Porta dos Fundos”), sempre uma presença marcante na tela.
Amizade
O lugar comum no audiovisual, e uma barreira que o cinema popular brasileiro precisa quebrar, diz respeito às amizades femininas. É habitual, principalmente em histórias sobre jovens, que as meninas mantenham uma certa disputa, mesmo se forem amigas. No caso de “Ana e Vitória” isso não ocorre, e, enquanto vemos florescer uma carreira promissora e duas jovens mulheres, acompanhamos também o aumento da cumplicidade entre as duas.
O filme é divido em três dias durante três anos. O primeiro marca o reencontro das amigas em uma festa cheia de promessas, acontecimentos, relações feitas e desfeitas. Ao final da noite Ana e Vitória estão mais próximas do que jamais foram no passado, e seu futuro é incerto.
Um ano depois, elas chegam ao Rio de janeiro para seu primeiro show, depois do sucesso na internet. Com um empresário e a promessa de um álbum e uma carreira, elas estão tão apreensivas quanto empolgadas. E essa cumplicidade é testada quando Vitória está prestes a desistir de subir ao palco por conta de um soluço ou, mais possível, um breve ataque de pânico.
A terceira etapa, além de mostra-las tentando resolver os problemas amorosos que se somaram, coloca de vez a lealdade de uma com a outra quando, a caminho de férias depois de uma turnê pelo Brasil, Vitória tem que decidir entre curtir a folga com um novo amor, ou ajudar Ana a se recuperar de um rompimento.
Matheus soube usar a personalidade de cada uma a seu favor e os diálogos são orgânicos e com breves pitadas de humor. Embora um certo desconforto com a ideia de atuar esteja presente nas duas, Ana e Vitória se esforçam para criar essas personagens dosando o real e a ficção.
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Histórias de amizade são raras e “Ana e Vitória” as trabalha muito bem, destacando, assim como o mundo contemporâneo trabalha tanto para mostrar, que amigas não precisam ser rivais, mas sim parceiras no trabalho e na vida.