Infância homofóbica de Édouard Louis é a matéria-prima para "O Fim de Eddy"
Primeira obra literária do francês tornou-se um best-seller e já foi traduzida para mais de 20 idiomas e vai virar filme. Obra relaciona sexualidade e o intrincado sistema de classes sociais na França; leia a resenha
“Hoje eu vou ser um durão”, a obra autobiográfica ("O Fim de Eddy") escrita pelo francês Édouard Louis gira em torno de uma frase aparentemente simples, mas que contextualizada traz o pesar de um garoto que cresceu envolto em uma comunidade conservadora, machista, alcoólatra e homofóbica.
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Ambientada nos anos 90, “O Fim de Eddy” retrata os tempos de juventude de Eddy Bellegueule , que entre a fome e a miséria sofria com a descoberta de ser um jovem gay em um vilarejo, com pouco mais de mil habitantes, localizado no norte da França.
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Quem narra essa história de forma lancinante, muitas vezes de maneira exacerbada, é o próprio Eddy Bellegueule, personagem e narrador do romance de estreia do francês Édouard Louis, que foi lançado em 2014 e agora publicado no Brasil.
A Missão Social de “O Fim de Eddy”
Vindo de um família humilde, Édouard Louis encontrou em sua infância a matéria-prima para seu livro. Com uma mãe ausente - devido à atenção que ela tinha de dar aos irmãos e as tarefas de casa - e um pai que visivelmente perpetuava os valores racistas e estereotipados, o escritor demonstra em cada palavra escrita a dor avassaladora de não poder ser quem é em seus anos áureos.
Sempre se esquivando de seus trejeitos femininos, voz aguda e delicadeza, o personagem de Édouard Louis cresceu tentando odiar sua própria natureza. Ali, naquele pequeno vilarejo, ser homem era ser rude, praticar atividades viris e ter atitudes machistas - tudo que Eddy claramente não era ou queria ser.
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Além disso, a obra abre as cortinas da censura e mostra com intensidade a brutalidade encarada por homossexuais afeminados dentro das escolas. Entre surras e escarradas, Eddy Bellegueule é a prova viva de uma verdade que apenas reflete as dobras veladas de uma sociedade atroz e preconceituosa.
Eddy Bellegueule em: “Não vira... nasce”
Afeminado e delicado desde criança, o personagem de “O Fim de Eddy” encarava com um sorriso desconcertado, mas que por dentro espalhava um medo de realmente ser gay, o preconceito dos vizinhos, das crianças na escola e a preocupação latente dos pais. Entre um “Você devia tomar rumo, parar com esse seu jeito” e um “Maldita bicha porca”, por muito tempo, Eddy Bellegueule não sabia o que era, mas sabia que era diferente.
É no capítulo “Tornar-se” que a obra foge de seu papel confessional e dá uma guinada ao didático.
Depois de anos tentando fugir de quem realmente é, esconder seus trejeitos, engrossar sua voz, Eddy tem uma experiência homoafetiva com seus colegas de rua. A partir desta experiência ele percebe que não lutará apenas contra tudo e todos que o cercava, mas também contra seus próprios desejos.
A identificação
Em um exercício narrativo de alta intensidade, Édouard Louis leva todos seus leitores a uma reflexão importante para pensar na solidão enfrentada por todos aqueles que não se encaixam nos padrões, a violência sofrida por aqueles que são diferentes dos demais, o conflito interno encarado pelos homossexuais desde sua tenra idade e a carnificina pessoal que a frustração de decepcionar a família e a si mesmo pode causar a uma pessoa.
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Na última parte de "O Fim de Eddy" , Édouard Louis encoberto sob o pseudônimo de Eddy Bellegueule ressalta, já em sua fase adulta, o quanto chora ao lembrar de quantas vezes tomou como oração a frase “Hoje eu vou ser um durão”, deixando sua indignação e sofrimento expostos e impedindo que o receptor da mensagem saia intacto da leitura.