A Marvel sabe surfar em um haype, mas não necessariamente entrega um filme à altura dele. Foi assim com “Doutor Estranho”, no fim de 2016, e com “Thor: Ragnarok”, no fim de 2017. Coube a “Pantera Negra” a missão de não só corroborar um hype já altíssimo de uma produção Marvel, avolumado pelo bem-vindo componente da diversidade em um blockbuster raiz, como superá-lo na forma de um filme inteligente, cheio de energia e com uma pegada política forte sem soar professoral.
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O filme de Ryan Coogler (“Fruitvalle Station: A Última Parada” e “Creed: Nascido para Lutar”) se firma como o melhor filme da Marvel desde “Homem de Ferro” que abriu os trabalhos para o estúdio lá em 2008, ainda em esquema de coprodução e distribuição com a Paramount Pictures, e permanecia como o melhor filme do estúdio. “Pantera Negra” é um bálsamo principalmente porque Coogler opera dentro da famigerada fórmula Marvel, mas acha espaço para ser autoral e político. As marcas de seu cinema não se sobrepõem à esquematização característica de um filme Marvel, mas também não se deixam eclipsar por ela.
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A fictícia Wakanda e os conflitos de T`Challa ( Chadwick Boseman ) norteiam vigorosos paralelos com os EUA do passado e do presente sob a égide de um presidente contestado e isolacionista. O longa ostenta uma propriedade na articulação de seus subtextos incomum para filmes da estirpe bancados pela Disney. Não é um feito desprezível o de Coogler. Mais: a maneira como ele trabalha T`Challa e Erik Killmonger (Michael B. Jordan) como decalques modernos de Martin Luther King e Malcolm X é especialmente elaborada para produzir efeitos ainda mais contundentes em face do que “Pantera Negra” representa em termos de avanço em matéria de diversidade.
Rei inseguro
A trama começa de onde o arco de T`Challa parou em “Capitão América: Guerra Civil”. Ele volta para Wakanda para assumir o trono após a morte de seu pai no atentado ao prédio das Nações Unidas. A Marvel continua soberana na costura de seu universo e na propulsão de personagens com o tempo. Exemplos são o agente da CIA Everett Ross (Martin Freeman), também visto em “Guerra Civil”, e o terrorista Ulysses Klaue (Andy Serkis) visto brevemente em “Vingadores: A Era de Ultron”.
Apaixonado por uma espiã que tem uma percepção política diversa da dele, papel que Lupita Nyong`o calça como uma luva, T`Challa começa a governar Wakanda com hesitação e desejo de vingança contra Klaue, mas mal sabe que decisões de seu pai no passado irão interferir diretamente em seu reinado.
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Elenco poderoso
A Wakanda de “Pantera Negra” é um primor de tecnologia. O país conjuga a mais avançada tecnologia, capaz de curar paralisia, câncer e outras mazelas ainda fatais e definitivas para a sociedade como um todo, com hábitos culturais mais primitivos, como podemos ver no ritual da coroação em que o Rei pode ser desafiado em um duelo até a morte.
Há muito de sedutor e cativante em “Pantera Negra”, mas indubitavelmente o elemento mais poderoso do filme é seu elenco. Boseman é um protagonista natural e assertivo. Jordan é magnético desde o primeiro momento em que nele pousamos os olhos, mas este é mesmo um filme das mulheres. Fortes, lindas, inteligentes e senhoras de seu destino e do de Wakanda. O trio formado por Lupita, Danai Gurira e Letitia Wright, especialmente a última, brilha intensamente. Forest Whitaker, Angela Bassett, Daniel Kaluuya (indicado ao Oscar por “Corra!”) e Sterling K. Brown completam o elenco irretocável de um filme que acerta no todo e nos detalhes.