Guillermo Del Toro é um cineasta apaixonante pela maneira com que consegue trabalhar o fascínio que os monstros exercem sobre todos nós e, no cinema em particular, de uma perspectiva totalmente original, criativa e oxigenada. Esse olhar diferente e fluído se verifica até mesmo em filmes que não são dele, mas que de alguma maneira ele está envolvido como “Mama” (2013), “Não Tenha Medo do Escuro” (2010) e “O Orfanato” (2007). “A Forma da Água”, premiado com o Leão de Ouro em Veneza e indicado a 13 Oscars, incluindo melhor filme e direção, é na superfície uma releitura do conto francês “A Bela e a Fera”, que ganhou força e identidade planetária com as versões da Disney. No âmago, porém, este é um filme de Del Toro.
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Todos os poros de “ A Forma da Água ” exalam não só aquela beleza visual característica do responsável por obras como “O Labirinto do Fauno” (2006) e “A Colina Escarlate” (2015), como a devoção do mexicano pelo cinema. Toda a organização narrativa da película se resolve nesse sentido. Da mudez da protagonista aos arranjos dos coadjuvantes, passando pela arquitetura de bem e mal e a conflagração dos conflitos, tudo no filme remete ao classicismo hollywoodiano, mas com uma roupagem contemporânea.
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Sally Hawkins (encantadora), dá vida a Elisa, essa faxineira que é a princesa dessa história tão incomum. Ela não pode falar e seus únicos amigos são o vizinho gay (Richard Jenkins) e a também faxineira na instalação militar vivida por Octavia Spencer. A negra, o gay e a muda. Estamos nos EUA da guerra fria e da efervescência dos movimentos pelos direitos civis e nossos heróis são figuras tipicamente excluídas, mas Del Toro não flamula bandeiras, ainda que sutilmente dê visibilidade a elas. Este é um filme sobre amor, mas que também prega tolerância e afeto.
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Elisa se deixa cativar em sua ingenuidade tão linda quanto sedutora por uma criatura anfíbia que chega ao complexo militar em que trabalha. Com a criatura chega também Richard Strickland (Michael Shannon), o militar responsável por decodificar como a criatura pode servir aos interesses dos americanos em uma época pré-corrida espacial. Strickland é um monstro clássico do cinema e a maneira como Del Toro e Shannon – afeito a incorporar tipos estranhos e inadequados – desenvolvem o personagem é especialmente salutar e muita efetiva para os propósitos do longa-metragem.
A relação de encantamento entre Elisa e a criatura logo evolui para algo difícil de rotular, mas que pode ser percebido como amor. E aí está a grande beleza do filme de Del Toro, que logo na cena inicial assume seu caráter fabular na narração do personagem de Jenkins. Repare na elaboração de personagens como o espião russo vivido por Michael Stuhlbarg e no próprio trio indicado ao Oscar formado por Hawkins, Spencer e Jenkins: esta é uma história sobre o triunfo do espírito humano e não há como não reagir positivamente a ela.
Nesse contexto, “A Forma da Água” justifica todo o encantamento que tem despertado. É um filme muito afetuoso, muito bonito, muito bem intencionado. É agregador em uma época que o cinema tem refletido com certa apreensão toda a segmentação presente na sociedade. Del Toro e seus monstros subvertem a lógica com realismo fantástico e ofertam empatia como nos clássicos de Frank Capra.