A polêmica da vez em Hollywood, alinhada com a mãe de todas as polêmicas – a disparidade no tratamento em relação a homens e mulheres em Hollywood – diz respeito à diferença recebida por Mark Wahlberg e Michelle Williams para as refilmagens de “Todo o Dinheiro do Mundo”, que Ridley Scott resolveu fazer para remover Kevin Spacey, execrado de Hollywood na esteira das muitas denúncias de abuso sexual – do filme.
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Fato inconteste é que Ridley Scott quis cumprir agenda positiva e acabou com um tiro pela culatra com seu “Todo o Dinheiro do Mundo”. Em novembro, o cineasta inglês afirmou que ninguém recebeu pelas refilmagens, apenas Christopher Plummer – contratado para substituir Kevin Spacey – foi pago. Aos outros atores, apenas diárias pelos custos.
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A notícia de que Mark Wahlberg recebera US$ 1,5 milhão pela refilmagem enquanto que Michelle Williams, que tem a mesma importância no filme, recebeu pouco menos de US$ 1000 caiu como uma bomba em uma Hollywood já chamuscada e inflamada pelos numerosos escândalos de assédio e abuso sexual e com denúncias explodindo a todo momento via redes sociais e imprensa. O sindicato dos atores anunciou uma investigação formal, mas disse que pouco poderia fazer já que nenhum dos dois contratos previa multa ou indenização em caso de refilmagens e que a atriz recebeu o mínimo exigido pelo sindicato em caso de refilmagem.
As negociações para as regravações são conduzidas pelos representantes legais dos atores – os famigerados agentes - e a produção do filme. O que causou mais taquicardia na história toda é que ambos os atores são representados pela mesma agência, a WME. Reside justamente sobre a agência o aspecto mais sombrio dessa trama complexa e cheia de nuanças que o noticiário atropelado e sintonizado com interesses circunstanciais – sejam ideológicos ou meramente especulativos – negligencia.
É claro que à agência cabia lutar por uma remuneração mais generosa e compatível com o calibre de Williams, uma atriz indicada quatro vezes ao Oscar e de reconhecido talento dramático. Mas equiparar as circunstâncias dela em Hollywood com a de Wahlberg é desonesto intelectualmente. O astro encabeça grandes produções de Hollywood desde a época em que Michelle Williams integrava o elenco do seriado juvenil “Dawson´s Creek”. A questão em foco não é o talento, até porque nesse departamento Williams sobeja e Wahlberg tem claras limitações, mas a estatura em Hollywood – que norteia remunerações, negociações e privilégios na Meca do cinema. Mark Wahlberg já integrou a lista de atores mais rentáveis (ou lucrativos) da Forbes dez vezes, encabeçou a lista em duas oportunidades. Ele é um chamariz de público e é o protagonista de, em média, dois filmes por ano. Enquanto que Williams costuma estrelar filmes independentes. Nas grandes produções que estrela, como “O Rei do Show” e “Oz – Mágico e Poderoso”, costuma ser coadjuvante.
Pode-se discutir a quantidade de filmes focados em mulheres sendo feitos – uma discussão contínua como deve ser no cinema – mas a subversão de fatos em favor de interesses incendiários não contribui para um debate limpo e produtivo. É claro que é ofensiva a diferença no pagamento entre ambos, mas não é errado que ela seja gritantemente diferente. Não faz muito tempo, criou-se uma celeuma que posteriormente provou-se infundada a respeito da remuneração de Gal Gadot para “Mulher-Maravilha” comparando com o vencimento de Henry Cavill, mas a natureza dos contratos era totalmente diferente.
Situação análoga, mas com mais procedência, se verificou há alguns anos quando Jennifer Lawrence e Chris Pratt protagonizaram “Passageiros”, romance sci-fi que fracassou tremendamente nas bilheterias entre o final de 2016 e início de 2017.
Jennifer Lawrence vinha de uma experiência mal sucedida em termos de remuneração em “Trapaça” (2013), quando recebeu menos que seus colegas de cena masculinos, e bateu o pé por equidade em “Passageiros”. Ali fazia sentido. Tanto ela quanto Pratt tinham o mesmo peso e relevância na história e ela é tanto chamariz de público como ele. A atriz é o principal nome nos cartazes das franquias “Jogos Vorazes” e “X-Men”.
Como pode se ver, não é exatamente o caso com “Todo o Dinheiro do Mundo”. Mas nem tudo está perdido. De um jeito ou de outro, o caso ainda pode ser pedagógico para todos os envolvidos.