O ano de 2017 foi bastante movimentado para o universo das artes. Com muitos conflitos e tensões ao redor do mundo o encontro entre a arte e política se fizeram presentes durante todo o tempo. No Brasil, a relação entre a classe artística e a política ficaram acirradas com diversas polêmicas que emergiram durante o ano e que, ao que parece, prometem se perpetuar para o próximo.
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A grande explosão começou em setembro, com a mostra “QueerMuseu”, realizada em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, que foi duramente criticada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) nas redes sociais, sendo acusada de incitar a pedofilia, zoofilia e insulto religioso pelos integrantes do grupo. O burburinho e a política que envolviam a mostra fez com que o Santander, empresa que então financiava a exposição, decidisse fechá-la em uma resolução arbitrária que Gaudêncio Fidélis, o curador, só foi saber por meio das próprias redes sociais. Fidélis chegou a ser conduzido coercitivamente ao Senado Federal para depor e explicar as acusações, causando indignação da classe artística.
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Enquanto isso, o clima esquentava no Rio Grande do Sul, a peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, um monólogo em que uma atriz trans interpreta Jesus e que estava com estreia marcada em Jundiaí, interior de São Paulo, foi cancelada antes mesmo da sua estreia acontecer. A decisão veio do juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, uma hora e meia antes do espetáculo começar, atendendo reclamações de congregações religiosas, políticos e o movimento TFP (Tradição, Família e Propriedade). Na liminar, Campos Júnior alegou que a peça expunha figuras religiosas “ao ridículo”. A atriz Renata Carvalho, protagonista da obra, comentou sobre o caso nas redes sociais no dia, afirmando que “A tristeza é grande, mas o desejo de continuar também”. Apesar de polêmica, a peça conseguiu ser exibida em outros lugares, como em São José do Rio Preto e Santo André.
Mas a intervenção judiciária e os movimentos políticos com intuito de fechar exposições não acabaram por aí. Dias depois do caso do “QueerMuseu”, outra polêmica ascendeu nas redes sociais, mas desta vez com o Museu de Arte Moderna (MAM) em São Paulo ,que tinha em cartaz a performance “La Bête”, do coreógrafo brasileiro Wagner Schwartz. Um vídeo que circulou pelas redes sociais mostrava uma criança interagindo com a apresentação tocando no corpo nu do artista. As imagens viralizaram e o Ministério Público abriu um inquérito para investigar as denúncias do suposto incentivo à pedofilia da performance.
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Diante desse cenário, diversos artistas começaram a alegar que o país estava vivendo sob censura das artes iniciando um movimento intitulado “342 Artes”, para promover a liberdade de expressão, com vídeos que circularam as redes sociais. Nele, Caetano Veloso, Cissa Guimarães, Marisa Monte, Malu Mader, Débora Falabella, Mateus Solano e outros dizem estar “contra a censura e a difamação”. Diversos vídeos foram publicados na página do Facebook do movimento, com as mais diversas personalidades comentando assuntos que transpassam pelas polêmicas recentes no mundo das artes, como racismo, infância, liberdade de expressão, além de informar sobre os acontecimentos que transpassam a temática. O grupo também foi responsável pela mobilização de artistas no Rio de Janeiro durante protesto realizado em outubro, intitulado “Temer é inaceitável”, contra as medidas do governo atual em relação à cultura, além de temas como reforma da previdência e trabalhista, flexibilização da legislação ambiental, corte de recursos para a ciência, a extinção de terras indígenas já demarcadas e congelamento de gastos sociais por 20 anos.
Ultrapassando os Direitos Autorais
As polêmicas no mundo da arte não foram apenas em relação à liberdade de expressão, mas também ao próprio direito autoral dos artistas. O prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB) se envolveu em uma controversa com os Tribalistas. Promovendo a inauguração de uma obra no Parque do Ibirapuera, na capital paulista, o prefeito utilizou um vídeo nas redes sociais que continha trechos da música Ainda Bem , composta por Marisa Monte e Arnaldo Antunes. Entretanto, os artistas alegaram não terem sido notificados sobre o uso da música na campanha e pediram para que o prefeito retirasse.
A dupla entrou com um pedido para a retirada do vídeo, mas a resposta veio apenas dois meses depois, com o prefeito argumentando que “a música no vídeo havia sido captada de forma espontânea no ambiente das gravações, justificativa esta que, ainda que fosse verdadeira, não encontra qualquer abrigo na Lei de Direitos Autorais”, conforme nota de esclarecimento postado na página da cantora. No Twitter, o prefeito comentou sobre o caso em um vídeo. “Eu gravei o vídeo falando sobre o campo de futebol e nem percebi que havia música uma música tocando e coloquei nas redes sociais. Não houve nenhuma intenção deliberada de usar a música, de fazer utilização irregular, de não pagar direitos autorais, não faz o menor sentido com você”, comentou afirmando que foi cobrado R$ 300 mil pelo vídeo e mostrando-se indignado com a situação.
Pessoal, divulgo aqui a minha posição sobre a nota publicada pela Marisa Monte e Arnaldo Antunes. pic.twitter.com/PWjEwrf4Ch
— João Doria (@jdoriajr) November 30, 2017
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Disputas legislativas
A tensão política com os artistas conquistou até mesmo o Congresso Nacional e a legislação brasileira. A Lei Rouanet, uma das principais leis de incentivo à cultura, foi alvo de polêmicas. Depois das exposições durante o ano, foi amplamente divulgado que a instrução normativa sofreria alterações para não abarcar propostas que "vilipendiem a fé religiosa, promovam a sexualização precoce de crianças e adolescentes ou façam apologia a crimes ou atividades criminosas", segundo informação da coluna de Ancelmo Gois no jornal O Globo. Diversos artistas protestaram contra a mudança, que mais tarde foi negada pelo próprio ministro Sérgio Sá.
Mas não foi apenas na Lei Rouanet que as brigas se instauraram. Outra proposta de incentivo a cultura no Brasil, a Lei do Audiovisual, também foi um dos alvos dessas tensões políticas e artísticas do ano. O presidente Michel Temer vetou a renovação da norma alegando que não teria como continuar com os incentivos até dezembro de 2019, momento de validade da lei. Indignados, diversos artistas realizaram um protesto contra a mudança, informando que a indústria audiovisual é responsável pelo emprego de 90 mil pessoas e movimenta cerca de R$ 24 bilhões. A pressão se fez valer e o Congresso voltou atrás derrubando o veto de Temer e anunciado no final de novembro a prorrogação dos incentivos, que já tinham sido aprovados pela casa.
A chamada “cura gay” também foi uma das pautas que fez com que os artistas se aproximassem mais ainda da política brasileira. O tema voltou à tona depois de uma liminar concedida pelo juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho que abria brecha para que psicólogos ofereçam terapia de reversão sexual, algo que é proibido pelo Conselho Federal de Psicologia. Diversos artistas utilizaram as redes sociais para se manifestar contra a decisão, como Bruno Gagliasso, Anitta, a drag queen Pabllo Vittar e Daniela Mercury, que atualmente é casada com Malu Verçosa.
Nas terras do Tio Sam
Entretanto, não foi apenas no Brasil que a política e a arte se chocaram este ano. A eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos fez com que ele enfrentasse, desde o ano passado, uma série de dificuldades para integrar a música no seu novo mandato. Para a sua posse, o ex-apresentador de televisão não conseguia nenhum “sim” para os convites que fazia, tendo sido recusado por Celine Dion, Elton John, pela banda Kiss, por Recebba Fergunson, ex-participante do “The X-Factor” inglês e até mesmo Andrea Bocelli, que havia confirmado presença no evento anteriormente acabou voltando atrás depois de má repercussão entre os seus fãs.Entretanto, as dificuldades não pararam por aí, diversos artistas de Hollywood se uniram em um protesto um dia após a posse do presidente na Marcha das Mulheres de Washington criticando o seu governo que até então nem tinha começado.
Meses depois, a cerimônia do Oscar 2017 chegou em Los Angeles e foi palco de diversos discursos politizados por parte dos artistas. O ator Gael García Bernal, por exemplo, ao anunciar o vencedor de Melhor Animação, usou o microfone para criticar a criação de um muro que separe o México dos Estados Unidos. O diretor iraniano Asghar Farhadi, vencedor da categoria de Melhor Filme Estrangeiro por “O Apartamento” também criticou as políticas de imigração no país em um discurso redigido e lido no palco, já que o artista não compareceu à cerimônia em forma de protesto. Além disso, as protagonistas de “Estrelas Além do Tempo” subiram no palco ao lado Katherine G. Johnson, uma das primeiras cientistas negras da NASA para falar sobre a falta de representatividade no mundo do audiovisual.
2017 parece ter provado que arte e política andam juntos o tempo inteiro.