Na era das opiniões, crítica e público se chocam na apreciação de filmes
Com sites agregadores de críticas e a instantaneidade das redes sociais no eixo central da polêmica, o que pesa na hora de escolher o filme a se assistir?
Por Caroline Sassatelli | , iG São Paulo |
Imagine a cena: você está em frente ao painel que mostra todos os filmes que estão em cartaz em um cinema
. Você ficou curioso sobre um certo longa, mas seus amigos comentaram que ele é chato e a história é um pouco boba e você leu na internet uma crítica que dava uma nota consideravelmente baixa para a produção, então, na hora de comprar os bilhetes, você acaba escolhendo outra opção. Quem nunca passou por isso, não é mesmo? Mas saiba que, por trás dessa sua simples escolha, existe um verdadeiro efeito dominó.
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Quando se trata de uma opinião sobre filmes , a influência disso pode arruinar ou, por outro lado, fazer algumas obras entrarem para a história. Fato é que a maneira com que o público encara uma produção hoje é totalmente diferente do que acontecia há 10 ou 15 anos atrás. "O espectador em geral está mais preocupado com outros fatores, estabelece uma ligação muito mais passional e imediatista com o cinema", é o que afirma o jornalista, membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema e editor-chefe do site Cineplayers , Daniel Dalpizzolo , que conversou sobre o assunto com o iG Gente .
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"O público quer ter uma experiência satisfatória com os personagens que adoram ou sentir as sensações pré-fabricadas que os gêneros narrativos tradicionais da indústria lhe oferecem. Não por acaso as principais salas de cinema hoje estão nos shoppings, ao lado das praças de alimentação, e talvez esteja aí o momento de ruptura que acarretou na maneira como se consome o cinema hoje", afirma Dalpizzolo.
Influência da crítica
Para o entrevistado, essa mudança de comportamento entre o público foi responsável, inclusive, por tornar a imagem do crítico de cinema como um "chato estraga prazeres" - o que seria, na verdade, uma grande distorção da sua função. "O crítico geralmente é vilanizado, colocado como o cara chato que acaba prejudicando uma experiência prazerosa, intelectualizando demais o filme sem aproveitá-lo", diz.
Todavia, Daniel é otimista e enxerga na relação entre o espectador e o crítico uma verdadeira parceria. "A leitura de uma crítica é um dos melhores caminhos para que um filme continue fazendo efeito, para que continue vivo no olhar e no pensamento", avalia. Ele também relembra que foi por meio do pensamento crítico que o cinema se transformou tantas vezes ao longo da história, e através dessa produção crítica que a história do cinema se organiza, que conseguimos compreender melhor a relação entre os filmes e seu contexto.
Além disso, é por meio dessas avaliações críticas que o espectador consegue enxergar uma obra por diversos ângulos que, muitas vezes, não foram observados por ele anteriormente, além de entender melhor como os filmes são construídos e como nos afetam. "É um complemento à própria produção cinematográfica, e eu não imagino uma coisa sem a outra", afirma Dalpizzolo.
Mas muito se engana quem pensa que uma crítica é definitiva. O entrevistado brinca dizendo que sempre acaba mudando de ideia quanto a uma produção depois de um certo tempo. "É normal que se mude a percepção sobre algumas questões ou que se encontre nos filmes outros elementos e camadas que podem transformar o olhar sobre ele, seja positivamente ou negativamente", declara. Para ele, a avaliação é um reflexo do encontro com a obra: "é sempre uma experiência curiosa retornar ao texto e analisar o que te tocou naquela sessão, o que você pensava no momento", completa.
Rotten Tomatoes
Nos últimos meses o mundo cinematográfico passou por uma grande polêmica. O causador de todo o burburinho foi o site Rotten Tomatoes , que funciona como um agregador de críticas espalhadas pela internet. Basicamente, ele possui dois indicadores: o primeiro (o "Termômetro de Tomate", ou "Tomatometer") varia entre uma porcentagem de 0 a 100% e reúne as avaliações de vários avaliadores profissionais. Para ter a opinião considerada, é necessário que o crítico faça parte de um site por, pelo menos, dois anos, ou seja de alguma associação de críticos.
Já o segundo índice - que funciona de forma similar ao primeiro - considera a opinião do próprio público e é representado por um baldinho de pipoca, determinando também uma escala de porcentagem onde o número mais alto representa as produções melhores avaliadas. Assim, as produções com mais de 60% de aprovação ganham um balde cheio de pipoca, já aquelas com até 59% ganham um balde derrubado.
Esse ranking criado pelo site é visto por muitos como uma forma falha de avaliar um filme, pois não consideraria realmente a sua mensagem de maneira mais profunda. Essa é a opinião, por exemplo, do renomado diretor Martin Scorsese , que falou sobre o assunto em um recente artigo publicado The Hollywood Reporter .
"Parece que há cada vez mais vozes envolvidas no puro julgamento e pessoas que parecem ter prazer em ver filmes ou cineastas rejeitados , demitidos e, em alguns casos, rasgados em pedaços". O diretor também citou que acredita que o site agregador de críticas está com os dias contados.
Já Daniel Dalpizzolo têm uma opinião contrária sobre o assunto: "Essa polêmica é mais ou menos como se o McDonalds fizesse campanha contra os sites de gastronomia por não ganhar bons reviews", declara. Para ele, é confortável aos grandes estúdios apontar um bode expiatório que justifique o fracasso de grandes produções feitas exclusivamente com o intuito de arrecadar altos valores, sem uma preocupação legítima com o que estão entregando para o público.
Você viu?
"Particularmente eu até penso que a imprensa americana é bem condescendente com a produção de lá, à exceção dos filmes que prometem muito mais do que entregam", diz o entrevistado, que completa: "é só ver a quantidade de filmes de 2017 com ótimas cotações no Rotten Tomatoes. Existe um Top 100 de 2017, em sua maioria com filmes americanos, cujas médias da imprensa são todas superiores a 80%".
Por fim, o crítico finaliza considerando que o Rotten Tomatoes é, na verdade, um atalho para a pesquisa por textos e opiniões e, se bem utilizado, pode ser de grande proveito.
O caso de "Jogos Mortais"
Uma das franquias que foi "vítima" dos rankings criados pelo Rotten Tomatoes foi " Jogos Mortais" (dirigido por James Wan ): ela encabeça a lista com a pior média de índices de avaliação de críticos no que se refere à outras séries que também tenham lançado sete produções.
De acordo com o próprio Rotten Tomatoes, a franquia foi responsável por arrecadar aproximadamente 500 milhões de dólares no mercado interno americano e receber uma pontuação média do público de 60% - o que o coloca à frente de todas as franchising semelhantes. O primeiro longa da série, que foi lançado em 2010, por exemplo, arrecadou cerca de US$ 105 milhões e sustentou 84% de audiência popular - o maior número de todos os seus filmes. Em compensação, a sua aprovação pelos sites de crítica foi de 49%.
A partir daí, os índices da série só oscilaram. O segundo filme, "Jogos Mortais II" (2005), atingiu 37% no termômetro e 59% de aprovação das pessoas. O terceiro longa da trama (" Jogos mortais III ", 2006) teve uma grande diferença entre seus números: enquanto os sites de crítica aprovaram a produção em apenas 28%, a avaliação dos espectadores ficou em 71%. Já o episódio da série que teve a menor porcentagem no ranking do público foi justamente o sétimo "Jogos Mortais - Capítulo Final" (2010), que contou com 42%, enquanto a crítica aprovou o filme apenas em 9%.
Resta descobrir se esses números continuarão variando ou se a franquia repetirá o sucesso da sua primeira produção. Estreia na próxima quinta-feira (30) o novo e oitavo filme da franquia, "Jogos Vorazes - Jigsaw", dirigido pelos irmãos Michael Spierig e Peter Spierig .
Redes Sociais e os filmes
Em tempos de informação instantânea e opinião sobre tudo, é difícil não ser atingido por uma opinião sobre qualquer produção cinematográfica feita com total convicção por um avaliador facebookiano ou de qualquer outra rede social . A realidade é que, infelizmente, a maioria desses "achismos" não se fundam em avaliações realmente consistentes, mas no que a pessoa acha de certo ator ou atriz por exemplo, e não na profundidade da história contada.
Daniel Dalpizzolo evita usar suas redes para falar sobre cinema. "Elas evidenciam uma necessidade por atenção que muitas vezes coloca a própria imagem do crítico ou cinéfilo acima do filme, provocando um exibicionismo que não me interessa muito e gerando discussões que logo se esgotam em um meme ou frase de efeito engraçadinha", ele declara.
O entrevistado conta ter começado a escrever sobre as produções cinematográficas no auge da era dos blogs, o que - brinca ele - o tornou saudosista. "Sinto que nesses espaços, como blogs, sites, revistas, o tempo de maturação de uma ideia é outro, sem a mesma necessidade de soar “lacrador” o tempo todo, de angariar likes e shares instantâneos, como é, por exemplo, no Facebook , onde essa batalha por likes infelizmente torna o conteúdo cada vez mais superficial".
Você é influenciável?
Verdade seja dita: todo mundo acaba sendo influenciado de alguma forma pelas críticas espalhadas na internet - seja de sites renomados e especializados no assunto, de agregadores ou de "especialistas de Facebook". Cabe a cada um, então, aceitar aquilo que está lendo ou querer tirar a prova sobre o que acha sobre o longa.
Para Cárita Pozzer, estudante, ficar sabendo o que um crítico disse ou não sobre determinado filme é essencial na hora de escolher o que irá assistir nos cinemas. "Eu nao tenho muito tempo para assistir filmes, entao não quero perder meu tempo vendo filmes ruins", comenta.
Bruno Reis, editor de vídeos, comenta ter o costume de avaliar a ficha técnica no IMDb dos filmes antes de decidir se irá ou não assisti-los. "Se eu já decidi que vou ver o filme por outros motivos, a nota só vai influenciar minha expectativa, mas se eu ainda não comprei o ingresso do cinema e a nota for ruim, é bem capaz de eu desistir de ir e acabar procurando outro longa", ele conta. Ele completa contando que geralmente só lê as críticas das produções se a nota dada à elas forem muito boas ou se o assunto for muito interessante pra ele.
Já Beatriz Fiorotto, produtora em audiovisual, apesar de gostar de acompanhar o que os críticos dizem sobre os filmes por aí, a sua escolha normalmente está baseada em sua vontade. Ela afirma: "Se o filme tiver nota alta e eu estiver realmente a fim de assisti-lo, vou ver pra ver qual é. Mas se não estiver com vontade, não vou ver nem se ele tiver recebido nota 10".
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Nem sempre a opinião do público será a mesma dos críticos, mas, muitas vezes, os filmes podem acabar tendo um maior sucesso quando recebem melhores avaliações pelos sites ou, até mesmo, daquele seu amigo que te conta um pouco mais sobre o longa que você estava com vontade de assistir. De toda foma, é importante dar uma chance para o filme e criar sua própria convicção.